Em 2019, cientistas do grupo XENON Collaboration registraram o “evento mais raro da física”: o decaimento radioativo do xenônio-124. Esse elemento tem um tempo de meia-vida estimado em 18 sextilhões de anos. Ou seja, seria preciso esperar um período 1 trilhão de vezes maior que a idade do Universo para que um átomo desse decaísse naturalmente.
Para comparação, o Universo tem cerca de 13,8 bilhões de anos, e a Terra, aproximadamente 4,5 bilhões. O tempo estimado para esse tipo de decaimento é tão longo que, na prática, ele nunca havia sido observado diretamente.
Compondo 27% da massa do Universo, a matéria escura é um dos maiores mistérios cósmicos. Crédito: University College London
O fenômeno, chamado de “decaimento por captura eletrônica dupla”, ocorre quando dois elétrons das camadas internas do átomo são absorvidos pelo núcleo ao mesmo tempo. Isso transforma dois prótons em nêutrons e libera dois neutrinos.
O processo foi previsto há décadas, mas só foi visto graças à sensibilidade do detector do Laboratório Nacional de Gran Sasso, na Itália. Esse instrumento, nomeado de XENON1T, foi projetado para encontrar sinais de matéria escura, uma forma ainda invisível de matéria que compõe cerca de 27% do Universo, segundo a NASA.
“Este é o tempo de meia-vida mais longo já medido diretamente de qualquer processo. Isso mostra a profundidade que os físicos estão alcançando ao medir eventos que são quase infinitamente raros”, disse o físico Ethan Brown, da Rensselaer Polytechnic Institute e membro da equipe, em um comunicado da época.
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O XENON1T funciona com um grande tanque de xenônio líquido, um elemento químico que, ao interagir com partículas, libera pequenos flashes de luz e cargas elétricas. Esses sinais são registrados por sensores extremamente sensíveis.
O experimento é conduzido em um ambiente isolado, protegido da radiação natural que existe na superfície da Terra. Essa configuração permite identificar até os eventos mais sutis, como o decaimento registrado do xenônio-124.
Conjunto PMT superior XENONnT antes da colocação no Câmara de Projeção de Tempo (TPC). Crédito: XENONnT / Divulgação
A descoberta foi publicada na revista Nature em abril de 2019 e envolveu mais de 160 cientistas de 11 países. O estudo mostrou que experimentos voltados à matéria escura também podem revelar fenômenos fundamentais da física nuclear.
Agora, a colaboração XENON opera a fase mais recente do experimento: a XENONnT, que começou a coletar dados em 2021. Essa nova versão utiliza cerca de 6 toneladas de xenônio líquido, com melhorias em sensibilidade e controle de ruído em relação a seu antecessor.
O objetivo principal continua sendo a busca por sinais de matéria escura. Além disso, o XENONnT segue investigando outros processos raros da física de partículas, como o decaimento sem emissão de neutrinos e interações envolvendo partículas fundamentais. O grupo seguirá olhando para o espaço, mas não deixará de ver os minúsculos detalhes do mundo atômico.
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