O futuro da observação astronômica precisa de telescópios ainda maiores. Após a conquista dos 6,5 metros de espelho do Telescópio James Webb (JWST), a NASA pretende ir além e está planejando um equipamento gigante: o Fluidic Telescope (FLUTE), com 50 metros de comprimento.
No espaço, uma fina camada de líquido naturalmente se molda em uma superfície esférica perfeita devido à tensão superficial — a força que faz os líquidos assumirem a menor área possível. Esse é o fenômeno que baseia o FLUTE, uma proposta de telescópio com espelho líquido capaz de atingir quase oito vezes o tamanho do JWST, o que seria impraticável com materiais sólidos.
O projeto é uma parceria entre a agência e o Instituto de Tecnologia de Israel (Technion) e atualmente está em fase de pesquisa. Suas aplicações vão desde à observação de galáxias distantes até a descoberta de exoplanetas parecidos com a Terra.
“O FLUTE visa superar as limitações das abordagens atuais, abrindo caminho para observatórios espaciais com espelhos primários líquidos não segmentados de grande abertura, adequados para uma variedade de aplicações astronômicas”, explica a NASA em um comunicado sobre o projeto.
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Deformação do espelho não seria grande problema
Os pesquisadores se depararam com um desafio: o que aconteceria com o espelho líquido caso o telescópio precisasse se mover de um alvo para outro? A nova pesquisa, disponível no repositório arXiv e ainda em processo de revisão por pares, buscou responder essa pergunta com experimentos e modelagem matemática.
O grupo construiu um modelo teórico que descreve o que acontece com um espelho líquido quando ele muda de direção. Com isso, pesquisadores conseguem prever como a superfície do equipamento irá deformar durante a movimentação.
Em laboratório, os cientistas usaram líquidos microscópicos e induziram forças eletromagnéticas sem contato com eletrodos para gerar deformações controladas. Embora com a gravidade da Terra e em pequena escala, o modelo matemático previu com sucesso o comportamento do líquido.
O estudo revelou que o FLUTE, com seu espelho de 1 milimetro de grossura, se deformaria em alguns micrômetros (0,001 milimetro) nas bordas quando se movimentasse. Porém, essas deformações demorariam anos para atingir o centro do telescópio e afetar drasticamente a observação
O grupo estima que, mesmo após 10 anos de operação, envolvendo manobras diárias, 80% da abertura do espelho permaneceria em um formato adequado para seu funcionamento, o que é considerado um limite de tolerância de alta qualidade para espelhos espaciais.
Os operadores do FLUTE precisariam trabalhar com uma quantidade limitada de manobras — um número máximo de movimentações até as deformações comprometerem o desempenho do telescópio.
A pesquisa constatou que uma série de pequenos movimentos em direções diferentes pode ser menos danoso do que grandes giros isolados. Isso porque eles criam padrões de deformação mais simétricos, sendo mais fáceis de corrigir opticamente.
Espelhos líquidos podem ser o futuro dos telescópios espaciais
Para além dos tamanhos maiores, espelhos líquidos poderiam permitir telescópios que se remodelassem para diferentes tarefas. Com mais tecnologia, esses equipamentos seriam capazes até de se autorreparar dos pequenos danos decorrentes da movimentação.
O estudo estima que esses telescópios futuristas poderiam se manter em operação por décadas, sempre se reparando quando necessário.
O FLUTE ainda está em fase de pesquisa e sua construção é um plano futuro. Mas, enquanto os cientistas enfrentam outros desafios, como a engenharia de uma estrutura espacial de 50 metros, a pesquisa contribui ao mostrar que a física e a modelagem matemática necessárias para o projeto estão garantidas.
Agora, a NASA pretende amadurecer a ideia para construir um pequeno protótipo, que será lançado em uma missão de demonstração em órbita baixa da Terra. Ainda não há data prevista, mas a agência busca consolidar o projeto para que a implementação do FLUTE seja viável nos próximos 15 a 20 anos.
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