Um simples acorde pode desencadear uma avalanche de sensações: calafrios, lágrimas, memória afetiva. A ciência já sabe que essa resposta emocional à música, como os arrepios que surgem de repente, vai muito além do gosto pessoal. O fenômeno neurológico complexo ativa circuitos profundos do cérebro ligados ao prazer, à recompensa e às emoções.
A sensação, conhecida também como frisson, é objeto de estudo da neurociência e da chamada neuroestética musical. Segundo o neurologista Sérgio Jordy, da Rede D’Or, ela envolve a ativação simultânea de diversas áreas do cérebro. “São áreas ligadas ao prazer, às emoções, sendo essa sensação advinda da audição, emoção e recompensa”, afirma.
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Arrepio musical
O arrepio musical é uma reação física, quase involuntária, mas que tem raízes profundas na arquitetura cerebral. Estruturas como a amígdala, o hipotálamo e o núcleo accumbens são especialmente sensíveis a estímulos sonoros carregados de emoção. Esses núcleos fazem parte do sistema límbico, responsável por regular emoções e sensações de prazer.
A reação ocorre porque a música consegue “furar” os filtros racionais e acessar diretamente áreas do cérebro ligadas à emoção e ao instinto. Diferente da linguagem falada, que passa por etapas mais lógicas de interpretação, o som atinge o cérebro de forma mais direta e intensa.
Quando uma melodia ativa memórias afetivas ou produz surpresa — por exemplo, uma mudança inesperada de acordes ou um crescendo — o cérebro libera neurotransmissores como dopamina, que podem provocar reações físicas, como os calafrios.
“O cérebro associa aquela melodia a um momento emocional marcante, uma espécie de ‘marcador somático’”, explica o neurocientista André Leão, de São Paulo. “Quando a música toca de novo, estruturas como a amígdala e o hipocampo são ativadas, reeditando sensações do passado com uma intensidade quase física”, ensina.
Por que arrepiamos com música?
Nem todos sentem essa resposta com a mesma intensidade. O fenômeno depende de predisposição neurológica, mas também de fatores subjetivos, como bagagem cultural e envolvimento emocional com a arte.
As pesquisas mais recentes em neuroimagem funcional indicam que pessoas mais propensas a arrepiar com música têm maior conectividade entre regiões do cérebro envolvidas com a audição e o processamento emocional.
“Estudos mostram que pessoas com maior conectividade entre o córtex auditivo e áreas como o estriado ventral tendem a ter respostas mais intensas”, diz Leão.
Quanto mais afinada a comunicação entre o córtex auditivo e áreas como o núcleo accumbens, a amígdala e o córtex pré-frontal medial, maior a chance de experimentar essas reações intensas.
O neurologista Jordy destaca que, além da música em si, o arrepio pode ser provocado por elementos externos. “Muitos estímulos que causam ativação dessas áreas podem ocasionar o arrepio, além da música propriamente dita, podendo ser ocasionados pelo contexto emocional, cultural e expectativa que geram a surpresa prazerosa”, afirma.
O arrepio pode ser desencadeado por uma variedade de estímulos, como frio, medo, emoções fortes, música ou até mesmo sons desagradáveis
Emoção, cultura e saúde mental
A forma como a música é sentida também depende do repertório cultural de cada pessoa. Uma mesma melodia pode despertar lágrimas em alguém e passar despercebida por outro: tudo depende de como o cérebro foi educado para ouvir. Há também uma ligação entre a saúde mental e a resposta à música.
“Em pessoas com depressão ou ansiedade, o sistema de recompensa do cérebro pode estar hipoativo ou hiperreativo”, explica o neurocientista. Isso significa que, em alguns casos, a música pode ser terapêutica; em outros, dolorosa.
Para quem quer intensificar a experiência musical, a boa notícia é que o cérebro é plástico: quanto mais o órgão associa música à emoção, mais eficientes ficam as conexões entre as áreas auditiva e emocional.
“Músicos e ouvintes atentos desenvolvem uma sensibilidade maior porque há plasticidade envolvida”, afirma Leão.
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