*O artigo foi escrito pelos professores Roberto Colom, professor de psicologia diferencial e neurociencia da Universidade de Madri, e Juan R. Ordoñana, professor-chefe de psicobiologia da Universidade de Murcia, ambas na Espanha, e publicado na plataforma The Conversation Brasil.
Por que alguns de nós somos mais sociáveis do que outros? Por que alguns alunos passam com sucesso pelo sistema educacional, enquanto outros mal conseguem se formar? Por que algumas pessoas são mais suscetíveis a cair em depressão quando vivem circunstâncias adversas? Por que algumas pessoas recorrem mais facilmente à violência do que outras para resolver seus conflitos? Por que há indivíduos politicamente progressistas, enquanto outros são mais conservadores?
Essas questões podem ser abordadas recorrendo ao método científico, algo que vem sendo feito há mais de um século por disciplinas como a psicologia diferencial e a genética comportamental. Essa longa trajetória, que envolveu o uso de métodos cada vez mais sofisticados, permitiu chegar a conclusões que estão entre as mais sólidas da psicologia científica, e com bastante diferença entre eles.
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Esses métodos permitiram explorar qual é a contribuição tanto de nossa singularidade genética quanto das circunstâncias que experimentamos para essas diferenças de sociabilidade, aptidão educacional, tendências depressivas, comportamentos violentos ou inclinações políticas. E esses são apenas alguns exemplos, já que a ciência investigou milhares de características por meio da análise de milhões de pessoas de diferentes continentes, com resultados significativamente estáveis.
De forma generalizada, pode-se concluir que, em média, nossas diferenças genéticas contribuem em 50% para essa diversidade psicológica. O número é enorme para o que é usual nas ciências sociais. Os outros 50% devem ser procurados nas circunstâncias vitais que experimentamos. Mas quais dessas circunstâncias influenciam quem somos psicologicamente?
A resposta a essa pergunta é, por enquanto, evasiva. Não há dúvida de que essas circunstâncias devem ser psicologicamente relevantes, mas a tarefa de identificar quais são, concretamente, os fatores ambientais com um impacto sistemático e duradouro sobre os traços que definem nossa personalidade, nossas capacidades ou nossas vulnerabilidades a transtornos mentais — em suma, nossa maneira de ser e de estar no mundo — resultou no que é conhecido como “perspectiva sombria” ( gloomy prospect).
Em essência, o que se conclui, pelo menos por enquanto, é que tais fatores ambientais são fundamentalmente pessoais e possuem um caráter eminentemente aleatório.
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Sentimento contínuo de tristeza: ao contrário da tristeza, a depressão é um fenômeno interno, que não precisa de um acontecimento. A pessoa fica apática e não sente vontade de fazer nada
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Para receber diagnóstico e iniciar o tratamento adequado, é muito importante consultar um psiquiatra ou psicólogo. Assim que você perceber que não se sente tão bem como antes, procure um profissional para ajudá-lo a encontrar as causas para o seu desconforto
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Enquanto essas circunstâncias mudam ao longo do ciclo da vida (de modo que o que é importante em um período deixa de ser no seguinte, e vice-versa), nosso DNA é sempre o mesmo (com pequenas nuances) desde que somos concebidos até deixarmos este mundo.
É por isso que se considera que é a nossa estrutura genética, compartilhada em grande parte com os outros seres humanos, mas com ingredientes únicos para cada um de nós, que permite construir os alicerces do que acabará por ser o nosso edifício psicológico.
Não existem dois genomas iguais
Embora costumemos nos referir ao genoma humano, é essencial ter em mente que não existem dois genomas iguais.
Cada uma das pessoas que já pisou neste planeta se caracteriza por possuir um genoma diferente dos demais (exceto, é claro, os gêmeos idênticos).
A grande maioria das 3 milhões de páginas que contêm as informações do nosso genoma são idênticas em cada um de nós. No entanto, há 1% em que se observam diferenças que contribuem para que alguns sejam mais sociáveis, menos aptos academicamente, mais depressivos, menos violentos ou mais conservadores do que outros.
É nessas 3 mil páginas que se aprecia a individualidade humana, com um impacto visível em inúmeras características, em que se concentrou o trabalho dos pesquisadores interessados na origem de nossas diferenças psicológicas.
Os principais resultados que vêm sendo observados há mais de um século e as consequências das descobertas encontradas são o epicentro de um livro publicado recentemente ( Você é o seu DNA. Como os genes contribuem para construir nossa identidade, Ariel), no qual destacamos o papel dessas diferenças genéticas para entender quem somos psicologicamente.
O negócio do DNA
A promessa da ciência de melhorar a compreensão sobre os seres humanos e abrir as portas para novas estratégias para mitigar a dor e o sofrimento físico e psicológico também tem, infelizmente, um lado sombrio.
Os rápidos avanços tecnológicos experimentados nas últimas duas décadas estão levando alguns cientistas a flertar com determinadas empresas para obter um lucro rápido com os conhecimentos básicos adquiridos, ignorando suas limitações técnicas e a necessária reflexão ética.
Editar genes para “melhorar a sociedade”
A possibilidade de editar genomas humanos, por exemplo, é agora considerada mais realidade do que ficção, com tudo o que isso implica. As perguntas se acumulam e as respostas demoram a chegar.
Se o que somos psicologicamente tem uma conexão comprovada com nosso DNA, então seria possível, em princípio, editá-lo para, digamos, sermos mais sociáveis, mais aptos academicamente, menos vulneráveis à depressão, menos violentos e, já que estamos nisso, mais progressistas ou mais conservadores.
Há quem até comece a se perguntar se, assim como tentamos melhorar as condições de vida das pessoas recorrendo a ações de caráter social, seria adequado contribuir para essas melhorias editando seus genomas, reescrevendo as informações codificadas nesse DNA que nos acompanha durante toda a vida.
Certamente, o futuro se apresenta empolgante, embora repleto de questões inquietantes que teremos que responder não apenas nós, cientistas, mas a sociedade como um todo.
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