Pesquisadores utilizaram um modelo de aprendizado de máquina interpretável para resolver um problema complexo da física da matéria condensada. O estudo, publicado na Physical Review Research, mostra como a colaboração entre físicos e especialistas em inteligência artificial pode revelar propriedades magnéticas ocultas em materiais extremamente difíceis de simular.
O foco da equipe internacional estava em materiais chamados ímãs frustrados, onde as interações magnéticas competem entre si e impedem que o sistema adote uma única configuração ordenada. Esses materiais são relevantes para o avanço de áreas como a computação quântica e a gravidade quântica, mas apresentam grande dificuldade de modelagem computacional (especialmente em temperaturas próximas ao zero absoluto).
Investigação de líquidos de spin
O estudo se concentrou em uma fase magnética específica chamada líquido de spin, um estado exótico no qual os momentos magnéticos continuam a flutuar mesmo em baixas temperaturas. A questão central era entender como esse líquido de spin se transforma ao ser resfriado, especialmente em um tipo de material conhecido como “breathing pyrochlore” (pirocloro respirante).
Segundo o professor Nic Shannon, do Instituto de Ciência e Tecnologia de Okinawa (OIST), já havia evidências desde 2020 de que esse tipo de líquido de spin poderia ocorrer naturalmente nesse tipo de estrutura magnética. No entanto, mesmo com simulações sofisticadas, a equipe não conseguia identificar com clareza o estado magnético final da transição.
Inteligência artificial como ferramenta complementar
A virada veio com a colaboração entre os físicos do OIST e pesquisadores em IA da Universidade LMU de Munique. Eles aplicaram um algoritmo de aprendizado de máquina não supervisionado, desenvolvido para classificar ordens magnéticas convencionais sem a necessidade de treinamento prévio.
“Nossa abordagem é altamente interpretável, o que facilita a compreensão do processo de decisão do algoritmo por parte dos cientistas. Isso é essencial em áreas onde os dados são escassos”, afirmou o professor Lode Pollet, coautor do estudo.
A equipe utilizou simulações de Monte Carlo — métodos computacionais que utilizam números aleatórios para resolver problemas complexos, especialmente aqueles que envolvem incerteza, sistemas dinâmicos ou muitas variáveis — para modelar o comportamento do sistema em temperaturas decrescentes.
Os dados gerados foram processados pelo algoritmo de IA, que revelou padrões invisíveis aos métodos tradicionais. Esses padrões foram então usados para iniciar novas simulações em sentido reverso (do estado final para o inicial) permitindo observar a transição magnética a partir de uma nova perspectiva computacional.
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Cooperação entre humanos e máquinas
O resultado foi a identificação de um novo estado magnético anteriormente não reconhecido. A abordagem mista permitiu que tanto os cientistas quanto o algoritmo apontassem elementos que, isoladamente, passariam despercebidos.
“Foi como trabalhar com um colega: nem o humano nem a IA conseguiram resolver o problema sozinhos, mas juntos conseguimos entender esse fenômeno até então enigmático”, destacou o pesquisador Ludovic Jaubert, do CNRS, na Universidade de Bordeaux.
A experiência abre caminho para explorar outros desafios da física da matéria condensada usando colaboração entre especialistas e algoritmos de IA. Segundo os autores, esse tipo de abordagem pode ser crucial para avanços em campos com dados limitados e questões altamente complexas.
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