Imagine dois astronautas solitários em uma estação espacial em pane. Em um ambiente fantasmagórico, frio, úmido e escuro, um duro trabalho de recuperar o equipamento. Durante esse processo, um deles desrosqueia uma simples porca borboleta, que, assim que se solta, continua seu movimento, flutuando em silêncio pelo ambiente sem gravidade. De repente, ela dá uma estranha cambalhota completa e volta a girar normalmente. Aí faz isso de novo. E de novo. O que isso lhe pareceria? Uma assombração? Uma lorota de astronauta? Um fenômeno da física? Ou a mais pura bizarrice espacial? Pois saiba que isso aconteceu de verdade. Um efeito tão estranho que parece falha na Matrix. Mas não é mágica — é física. E foi descoberto graças a um cosmonauta soviético curioso e uma porca solta na estação Salyut 7. O tal fenômeno ficou conhecido como Efeito Dzhanibekov — ou, para os íntimos da física, Teorema da Raquete de Tênis.
Esse nome um tanto esquisito descreve um comportamento igualmente estranho: um objeto aparentemente girando tranquilamente em torno de um eixo, do nada, muda de orientação como se fosse um deputado do centrão. E para confundir ainda mais os físicos e os analistas políticos, continua a alterar sua direção de tempos em tempos. Ora apontando para a direita, ora para a esquerda. Só que esse comportamento inusitado, que parece aleatório, é perfeitamente explicado pela ciência, ao contrário dos políticos. O Efeito Dzhanibekov é regido por leis matemáticas rigorosas, estabelecidas muito antes da era espacial.
Mas vamos voltar ao ápice dessa história… Em junho de 1985, os cosmonautas Vladimir Dzhanibekov e Viktor Savinykh foram enviados ao espaço, para a épica missão de resgatar a estação espacial soviética Salyut 7, que havia sofrido uma pane meses antes. Lá eles encontraram o laboratório espacial em petição de miséria: uma pane elétrica havia desligado a luz e o aquecimento. Havia escuridão, gelo e muito trabalho para todos os lados. Enquanto realizava uma de suas tarefas de reparo, Dzhanibekov, meio que sem querer querendo, desrosqueou uma porca borboleta, que pela inércia e ausência de gravidade, ficou girando no ar. Foi aí que ele notou algo extraordinário. A porca girava de forma estável por alguns segundos… e de repente, virava ao contrário no ar, como se estivesse dando uma cambalhota. Depois voltava ao movimento inicial. E repetia o comportamento, num ciclo bizarro, hipnótico — e completamente inesperado. Dzhanibekov registrou o fenômeno em vídeo e fez o que qualquer bom cientista faria: chamou seu colega Savinykh e começou a investigar.
O vídeo só seria divulgado publicamente anos depois, no início dos anos 2000, e rapidamente virou assunto em listas de discussão, fóruns científicos e — mais tarde — até no Orkut. Entre físicos, o fascínio era técnico. Entre os entusiastas, a dúvida era: como algo tão simples podia se comportar de forma tão bizarra? Já os teóricos da conspiração foram além — viram ali desde falhas no espaço-tempo até prenúncios de uma cambalhota semelhante na rotação da Terra (!). Mas a explicação, felizmente, era bem mais elegante — e já conhecida desde o século XIX.
O que Dzhanibekov observou foi uma aplicação prática de um princípio físico clássico: a rotação instável em torno do eixo intermediário de inércia ou teorema da raquete de tênis. E, ao contrário do que possa parecer, o nome do teorema não significa que o fenômeno acerta uma raquetada na cara da física!
Imagine uma raquete de tênis: você não terá dificuldades para jogar ela girando no ar em torno do seu maior eixo. Da mesma forma, se girar ela de lado, em torno do menor eixo. Mas se tentar fazê-la girar de frente, em torno do eixo do eixo intermediário, ela vai começar a dar cambalhotas doidas, como o Vampeta comemorando o Penta. A explicação para isso envolve o momento de inércia da rotação e as forças centrífugas envolvidas. Mas o resultado é que a rotação de um corpo qualquer em torno do seu eixo intermediário é sempre instável, e isso não depende do ar, nem da gravidade. Ocorre com a raquete, com a porca do Dzhanibekov ou com o seu celular, tanto aqui na Terra quanto no espaço.
[ Rotação de uma raquete de tênis em torno de seu maior eixo (ê1), eixo intermediário (ê2) e menor eixo (ê3). Note que quando rotacionada ao redor do eixo intermediário, a rotação é instável, gerando uma meia volta em torno do maior eixo – Créditos: Cmglee / wikimedia.org]
Essa instabilidade já havia sido percebida por Louis Poinsot em 1834 e pode ser descrita matematicamente através das equações de Euler. Mas até Dzhanibekov, ninguém havia observado esse efeito de forma tão clara e prolongada. Foi preciso estar no espaço, sem a interferência da gravidade, para que a física revelasse toda a beleza do seu caos aparente. Uma porca girando solta virou uma aula prática de mecânica clássica.
Ok, mas eu não costumo viajar ao espaço, então como o Efeito Dzhanibekov afeta minha ou a nossa vida?” Bem, esse tipo de comportamento é crucial para entender a estabilidade rotacional de satélites, sondas e estações espaciais. Projetar sistemas que mantenham a orientação correta de um objeto no espaço exige conhecimento preciso sobre os momentos de inércia e sobre quais rotações são seguras ou perigosas. O Efeito Dzhanibekov nos lembra que até a rotação de um parafuso pode virar um problemão orbital — ou uma oportunidade educativa.
É dessa forma que a exploração do cosmos pode trazer à luz conceitos antigos e esquecidos da física, mas que ganham importância fundamental na conquista do espaço. Em pleno século XX, uma porca flutuando mostrou que há sempre algo a aprender, mesmo com os fenômenos já descritos nos livros. O espaço, com ausência de limites, se torna um palco perfeito para que a física dance livre, sem interferências. E às vezes, essa dança inclui piruetas que pegam todo mundo de surpresa.
Fenômenos como o Efeito Dzhanibekov nos lembram de algo essencial: a ciência não depende apenas de computadores e fórmulas — ela precisa de olhos atentos, mentes curiosas e até de um pouco de sorte. Vladimir Dzhanibekov poderia ter ignorado aquela cambalhota da porca. Poderia ter considerado um detalhe irrelevante, uma bizarrice espacial. Mas não. Ele registrou, compartilhou, e nos permitiu redescobrir a beleza da física em ação. E é justamente por isso que exploramos o espaço. Porque mesmo em um simples giro no vazio, pode estar escondido um novo jeito de ver o universo.
O post O efeito Dzhanibekov: quando o espaço mostrou que a realidade é mais estranha que a ficção apareceu primeiro em Olhar Digital.