Dois novos estudos realizados na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) ajudam a entender como as interações entre predadores e presas influenciaram a extinção dos tigres-dentes-de-sabre e o colapso da diversidade de certos herbívoros na América do Norte.
Os trabalhos, publicados no Journal of Evolutionary Biology, em 6 de junho, e na revista Evolution, em 4 de maio, reforçam a ideia de que a diminuição da oferta de alimento teve um papel decisivo na trajetória evolutiva desses animais.
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Famosos pelos caninos longos e afiados, os tigres-dentes-de-sabre sempre foram associados a uma dieta baseada em grandes animais. Por muito tempo, cientistas acreditaram que sua extinção estivesse ligada ao desaparecimento da megafauna no fim do período Pleistoceno (entre 50 mil e 11 mil anos atrás) como resultado de mudanças climáticas e da ação humana.
No entanto, os cientistas da Unicamp encontraram sinais de que esse processo começou muito antes.
“Nosso estudo mostra que as extinções de algumas espécies de dentes-de-sabre ocorreram, geralmente, nos momentos em que a diversidade de presas era menor”, afirmou o principal autor das pesquisas, João Nascimento, em comunicado.
Os tigres-dentes-de-sabre surgiram há 12 milhões de anos na América do Norte e 14 milhões de anos atrás na Eurásia
Ao cruzar dados fósseis, estimativas de tamanho corporal e informações sobre clima dos últimos 20 milhões de anos, os pesquisadores reconstruíram a história evolutiva desses predadores.
A diversidade dos dentes-de-sabre teve o auge entre 14 e 6 milhões de anos atrás, com até oito espécies convivendo ao mesmo tempo. A partir daí, começou a cair, estabilizando-se em cinco espécies até sua extinção definitiva no período Holoceno, iniciado há cerca de 11,7 mil anos.
Pressão predatória também afetou herbívoros
O segundo estudo analisou o caminho inverso. Como o aumento de predadores pode ter influenciado o declínio de um grupo de herbívoros chamados antilocaprídeos. Esses animais, hoje representados apenas pelo antílope-americano (Antilocapra americana), já foram bem mais diversos na América do Norte.
A subfamília Merycodontinae, por exemplo, desapareceu completamente há cerca de 6 milhões de anos, coincidindo com a chegada dos proboscídeos (grupo dos atuais elefantes) que competiam com eles por ambientes florestais.
Já a subfamília Antilocaprinae começou a perder espécies também por volta desse período, quando a diversidade de felídeos predadores aumentou.
Entre os carnívoros que surgiram nessa época estava o guepardo-americano (Miracinonyx), um caçador veloz que teria pressionado os antilocaprídeos a desenvolverem maior velocidade como forma de defesa.
“Nosso trabalho reforça essa hipótese ao mostrar que a diversidade de felídeos pode ter impactado a extinção de antilocaprídeos do passado”, afirma o biólogo Mathias Pires, orientador dos estudos.
Predadores e presas moldam a macroevolução
Os pesquisadores ressaltam que, mais do que contar a história de grupos isolados, os dois estudos ajudam a entender os padrões da macroevolução, os grandes processos que definem a origem e o desaparecimento das espécies ao longo do tempo.
A pesquisa só foi possível graças a bancos de dados públicos com informações fósseis detalhadas, como dieta, tamanho corporal e distribuição geográfica de diversas espécies da América do Norte e da Eurásia. A análise desses dados permitiu identificar períodos de coexistência entre predadores e presas e como essas relações moldaram o destino de diferentes grupos.
Os dentes-de-sabre, por exemplo, surgiram em um momento de ambientes mais fechados, propícios para caçar animais folívoros. Com a mudança para climas mais áridos, as paisagens abertas favoreceram ruminantes pastadores, enquanto os herbívoros que comiam folhas perderam habitat, o que, indiretamente, afetou também seus predadores especializados.
“Estamos mostrando como o aumento de predadores pode reduzir a disponibilidade de presas, o que por sua vez reduz a abundância de predadores, e como isso pode se manifestar na escala evolutiva”, diz Pires.
Para ele, esse ciclo observado no passado serve de alerta para o presente. “Podemos estar alterando o futuro com as extinções que provocamos agora”, finaliza.
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