Expor tristeza nas redes sociais ajuda ou atrapalha a saúde mental?

A exposição da própria tristeza nas redes sociais é um fenômeno cada vez mais comum. Para algumas pessoas, falar sobre o sofrimento, especialmente após um término, pode parecer uma forma de catarse. É uma tentativa de organizar pensamentos e encontrar apoio em um espaço que muitas vezes substitui a escuta que falta na vida offline.

“Pode funcionar como catarse, especialmente se a pessoa não encontra espaços íntimos de escuta na vida real, e o ato de escrever ou gravar sobre o que se sente, ajuda a liberar emoções reprimidas”, explica a psicóloga Débora Porto, de Brasília. No entanto, essa abertura pública pode ter efeitos ambíguos — e, em muitos casos, dolorosos.

Débora ressalta que, embora o compartilhamento traga um sentimento de autenticidade e conexão com os seguidores, ele também pode dificultar o processo de luto emocional.

“O luto exige tempo, introspecção e, muitas vezes, privacidade para ser elaborado. Ao expor a dor publicamente, o indivíduo corre risco de ser julgado, cobrado a performar sofrimento ou até ser explorado pela mídia”, alerta. Em vez de ajudar, essa sobrecarga de visibilidade pode prolongar a dor, reabrindo feridas a cada comentário ou mensagem.

Leia também

Brasil

Sharenting: casal é condenado por exposição do filho nas redes sociais

Saúde

Meninas sentem mais impactos negativos das redes sociais, diz estudo

Mundo

Menino de 12 anos morre após participar de desafio nas redes sociais

Fábia Oliveira

“Muito cruéis”, desabafa Pyong Lee sobre ataques nas redes sociais

A psiquiatra Vanessa Greghi, diretora médica do Instituto de Psiquiatria Paulista (IPP), reforça que o impacto pode ser intenso. “Expor publicamente um término ou luto pode agravar quadros de depressão ou ansiedade. O excesso de estímulo gera um estado de alerta, fazendo a pessoa reviver o sofrimento a cada nova exposição”, explica.

Esse ciclo pode desencadear crises de pânico, insônia ou até depressão, especialmente em adolescentes, grupo mais vulnerável ao bullying e à superexposição digital. Outro ponto crítico é a comparação com a vida “perfeita” que aparece nos feeds. Ver casais felizes e legendas de superação pode ser devastador para quem está emocionalmente fragilizado.

“A autoestima despenca não só pelo término, mas pela comparação com um  ideal inatingível de amor e felicidade. Isso pode gerar ansiedade, retraimento social e até comportamentos impulsivos, como retomar a relação ou ficar ‘stalkeando’ a vida do outro”, explica Débora.

O feedback das redes também é uma faca de dois gumes. As curtidas e mensagens podem gerar alívio e senso de pertencimento, mas criam uma dependência emocional perigosa. “Curtidas e mensagens podem motivar a buscar ajuda, mas também criam dependência de validação. Quando o fluxo diminui, a dor volta com mais força”, diz a psicóloga.

A exposição nas redes sociais em momentos delicados pode desencadear crises de pânico, insônia e até depressão

Além disso, os comentários muitas vezes reforçam narrativas simplistas, impedindo a elaboração saudável do luto, que precisa passar por sentimentos contraditórios como dúvida, raiva e saudade. A psiquiatra lembra que, durante momentos de fragilidade, a nossa capacidade de julgamento diminui.

“É preciso pensar muito antes de se expor nas redes em momentos assim. O sistema psíquico está enfraquecido, o que reduz a capacidade de tomar boas decisões. As pessoas podem acabar dizendo algo que vão se arrepender depois”, afirma Vanessa.

Para pessoas com transtornos de personalidade, como o borderline, a reação à exposição tende a ser ainda mais explosiva e impulsiva, intensificando o sofrimento.

Sinais de que a exposição não é mais saudável

Nestas condições, há sinais claros de alerta para perceber quando a exposição ultrapassa o limite saudável. Compartilhar tudo para se sentir visto, depender do retorno da audiência para regular o humor ou sentir que não consegue viver o luto fora das telas são indícios preocupantes.

Quando surgem sintomas como insônia, pensamentos intrusivos ou até comportamentos autolesivos, buscar ajuda profissional torna-se essencial.

No fundo, o ato de dividir a dor nas redes sociais pode até trazer alívio momentâneo, mas raramente substitui o processo interno necessário para lidar com as perdas.

A pergunta que fica é: será que vale a pena se expor tanto? Talvez seja mais saudável reservar um espaço íntimo para elaborar os sentimentos e,  se for preciso, buscar um olhar profissional para atravessar o luto ou o término com mais profundidade e menos ruído externo.

Siga a editoria de Saúde e Ciência no Instagram e fique por dentro de tudo sobre o assunto!