Muito além dos aplicativos de localização, os sistemas de navegação por satélite estão por trás do funcionamento de praticamente tudo no mundo moderno. Mas o que aconteceria se, de repente, o sinal do GPS parasse?
“Seria um caos global. Teríamos uma paralisação da vida, porque muita coisa depende desse tipo de informação”, resume o professor Fernando Luiz Araújo Sobrinho, do departamento de geografia da Universidade de Brasília (UnB).
Embora o termo “GPS” tenha se popularizado, ele se refere apenas ao sistema operado pelos Estados Unidos. Existem outros em funcionamento, como o Galileo (União Europeia), o Glonass (Rússia) e o BeiDou (China). Todos fazem parte do Sistema Global de Navegação por Satélite (GNSS, na sigla em inglês).
O diretor de Gestão de Portfólio da Agência Espacial Brasileira (AEB), Rodrigo Leonardi, reforça que não há qualquer sinal oficial de que o GPS será restringido ou suspenso. Ainda assim, destaca que, em uma situação extrema, com todos os sistemas fora do ar ao mesmo tempo, quase todos os serviços modernos seriam afetados.
“Haveria consequências profundas em setores de infraestrutura crítica e logística, com reflexos diretos na economia e na sociedade como um todo”, afirma.
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Muito além dos aplicativos de localização
A queda de todos os sistemas GNSS causaria uma reação em cadeia. Começaria na aviação e no transporte marítimo, que dependem de posicionamento de alta precisão para operar com segurança.
Passaria pelas telecomunicações, que usam os sinais dos satélites para sincronizar redes de internet e telefonia. E chegaria ao sistema financeiro, que utiliza os dados para validar transações e registros bancários.
O fornecimento de energia elétrica também sofreria. Sem a sincronização proporcionada pelos satélites, instabilidades e apagões se tornariam mais comuns. A agricultura de precisão perderia eficiência, a construção civil teria prejuízos operacionais e os serviços de entrega e transporte urbano, como Uber, 99 e iFood, entrariam em colapso.
“Hoje, mesmo um restaurante depende de entregas para funcionar. Supermercados, lanchonetes e comércios em geral fazem vendas por teleentrega. Esses sistemas não funcionam sem satélite”, diz Fernando Sobrinho.
O professor lembra ainda que órgãos de governo usam a tecnologia para monitoramento ambiental, como no combate ao desmatamento. “Se não fosse essa tecnologia, o técnico do Ibama em Brasília não teria como observar uma área da Amazônia a 3 mil quilômetros de distância”, exemplifica.
O GPS está presente em tudo na sociedade moderna, dos aplicativos de localização ao funcionamento de bancos
E se tudo parasse de repente?
Embora improvável, o colapso dos sistemas não é impossível. Eventos naturais, como tempestades solares, podem comprometer as comunicações. Ações humanas, como ataques cibernéticos, também são vistas com preocupação.
“Hoje, existe uma guerra eletrônica e de espionagem em curso. Países têm pelotões virtuais e investem em hackers para desestabilizar sistemas de outros países”, explica Fernando Sobrinho. Ele cita o caso recente de ataques cibernéticos ligados a conflitos no Oriente Médio e lembra que o Brasil já sofreu invasões semelhantes em órgãos do governo federal.
Leonardi explica que os sistemas de navegação contam com satélites duplicados para garantir o funcionamento contínuo. Mesmo assim, uma falha em larga escala exigiria a derrubada de muitos deles. “Qualquer tentativa de sabotar satélites seria encarada como um ato hostil ou até uma declaração de guerra. É um cenário mais especulativo do que provável”, destaca.
Dependência sem plano B
Hoje, não há um plano de contingência global para lidar com o colapso dos sistemas de navegação por satélite. No Brasil, a principal alternativa seria adotar receptores capazes de operar com vários sistemas ao mesmo tempo, o que aumenta a chance de manter o serviço ativo mesmo com uma falha isolada. Além disso, não há estratégias consolidadas. “Essa dependência não é só do Brasil. É global”, resume Fernando.
Dá para reduzir a vulnerabilidade?
Na visão do professor da UnB, o caminho está no reforço à segurança cibernética e na regulação do setor. Ele argumenta que a dependência da tecnologia se tornou estrutural e que boa parte das atividades cotidianas, do banco à entrega de encomendas, depende de sistemas conectados.
“Hoje a gente faz tudo pelo celular. Paga conta, agenda consulta, faz compra, vê boletim escolar. Até o comércio físico está diminuindo por causa do e-commerce”, comenta.
Apesar disso, ele reconhece que é difícil imaginar um mundo funcionando sem esse nível de tecnologia. “A não ser que houvesse uma hecatombe global, não dá para pensar em voltar a escrever cartas à mão ou usar máquina de escrever. É uma característica da nossa época”, finaliza.
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