A Terra aqueceu mais de 1,2 °C desde o início do século passado, e a maior parte desse aumento aconteceu nas últimas décadas. Esse aquecimento contínuo já desencadeia mudanças perceptíveis em todo o mundo. De inundações históricas a secas prolongadas, de geleiras derretendo a florestas queimando, a “febre” do planeta dá sinais de uma transformação que se estabelece em ritmo acelerado.
Eventos climáticos extremos, que antes pareciam raros ou localizados, agora são comuns em diversos pontos do globo. Em apenas um ano, os EUA enfrentaram tempestades destrutivas no Sul, calor recorde no Sudoeste e inundações no Nordeste. No Canadá, incêndios devastaram florestas inteiras. A China viu regiões totalmente cobertas por água. No Brasil, o sul do país sofreu com chuvas intensas e enchentes que desabrigaram milhares. Essas mudanças deixaram de ser apenas previsões: elas já estão em curso.
Imagem de satélite mostra incêndio florestal de larga escala no Canadá. Crédito: Reprodução X/Tim Peake
Calor retido na atmosfera afeta ciclo da água
A atmosfera da Terra se tornou mais quente, mais úmida e mais propensa a extremos. Um dos efeitos mais visíveis está no derretimento de geleiras e calotas polares. Imagens de satélite revelam que regiões antes cobertas de gelo o ano todo agora mostram rochas expostas. O degelo não apenas eleva o nível do mar, ameaçando cidades costeiras, como também altera o clima regional e global.
Com mais calor retido na atmosfera, o ciclo da água também se intensifica. Aumenta a evaporação, formam-se mais nuvens e as chuvas vêm mais volumosas – e mais rápidas. Essa alteração resulta em tempestades mais fortes e inundações mais frequentes. Ao mesmo tempo, o excesso de evaporação contribui para a intensificação das secas em outras regiões, como ocorreu recentemente em partes da Europa, da África e da América do Sul.
Os oceanos também sofrem os efeitos do aquecimento. Eles absorvem cerca de 90% do calor extra gerado pelas emissões humanas de gases de efeito estufa. Esse calor acumulado interfere nas correntes marítimas e nos padrões climáticos. Um oceano mais quente é mais propenso a alimentar furacões e tufões mais intensos e duradouros, além de prejudicar ecossistemas marinhos, como os recifes de coral.
Diagrama mostra as altas temperaturas registradas nas águas da Flórida e o impacto nas áreas de recifes de coral. Crédito: NOAA/Monitoramento por satélite do Coral Reef Watch e perspectivas modeladas
Muitos dos impactos que agora se manifestam eram previstos por modelos climáticos há décadas, mas a velocidade com que estão ocorrendo surpreende os cientistas. As alterações não se distribuem de maneira uniforme. Algumas regiões enfrentam chuvas excessivas e enchentes, enquanto outras encaram secas e desertificação. Essa instabilidade dificulta o planejamento de infraestrutura e políticas públicas eficazes.
Mudanças climáticas influenciam a economia e a sociedade
Além do meio ambiente, as mudanças climáticas também afetam a economia e a sociedade. A destruição de lavouras por eventos extremos eleva o preço dos alimentos. A perda de moradias por enchentes ou incêndios coloca populações inteiras em situação de vulnerabilidade. Sistemas de saúde enfrentam mais doenças respiratórias e relacionadas ao calor. E comunidades pobres são, em geral, as mais atingidas, por terem menos recursos para se adaptar ou reagir.
Cientistas também observam como essas alterações afetam o equilíbrio global da Terra. Florestas tropicais, que antes absorviam grandes quantidades de dióxido de carbono, começam a perder essa capacidade por conta do estresse térmico e da degradação. O degelo do permafrost, solo permanentemente congelado em regiões árticas, ameaça liberar grandes quantidades de metano, um gás de efeito estufa ainda mais potente que o dióxido de carbono (CO₂).
O derretimento do permafrost nos Alpes italianos, causado pelas mudanças climáticas, está levando a deslizamentos de rochas, mudanças nas fronteiras e ameaças a comunidades e infraestruturas. Crédito: SimonePolattini – Shutterstock
A relação entre clima e eventos extremos já é bem estabelecida. Estudos mostram que o aquecimento global torna certos tipos de desastres mais prováveis e mais severos. Ondas de calor que antes ocorriam uma vez a cada século podem passar a ocorrer a cada década ou menos. Chuvas que antes vinham espaçadas, agora se concentram em dias, gerando grandes volumes de água em curto tempo.
O consenso científico sobre a influência humana nas mudanças climáticas é indiscutível. A queima de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás natural, é a principal responsável pelo acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera. Esse acúmulo retém o calor que, de outra forma, escaparia para o espaço, alterando o equilíbrio térmico do planeta.
Como tratar a febre da Terra e salvar o nosso planeta
Apesar das evidências e dos alertas da comunidade científica, as ações globais para conter o aquecimento ainda estão aquém do necessário. Os compromissos assumidos por países no Acordo de Paris não são suficientes para limitar o aumento da temperatura média global a 1,5 °C. Ultrapassar esse limite pode desencadear efeitos ainda mais graves e, em alguns casos, irreversíveis.
Mesmo que as emissões fossem drasticamente reduzidas hoje, parte dos impactos das mudanças climáticas já está contratada. O sistema climático tem uma “inércia”, ou seja, continua respondendo aos estímulos por décadas. Isso significa que adaptar-se ao novo cenário também será necessário. Cidades precisarão rever seus sistemas de drenagem, abastecimento e habitação. A agricultura terá que se reinventar em muitos lugares. Sistemas de saúde e infraestrutura precisarão estar preparados para cenários mais extremos.
A adoção de energia limpa, como solar e eólica, avança globalmente, e a eficiência energética ajuda a cortar consumo e emissões. Crédito: bombermoon – Shutterstock
Mas ainda dá tempo de agir. A transição para fontes de energia limpa, como solar e eólica, já é realidade em diversos países. A eficiência energética pode reduzir o consumo e as emissões. A restauração de ecossistemas e a mudança nos padrões de consumo também são caminhos possíveis. Cada fração de grau evitada no aquecimento futuro representa menos risco, menos perdas e mais possibilidades de adaptação.
Como em qualquer organismo vivo, uma febre é um indicativo de que algo está errado. O planeta dá sinais claros de desequilíbrio, e cabe à humanidade escolher entre ignorar os sintomas ou buscar soluções para a cura. E não no futuro – agora.
Com informações do Science News Today.
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