Microplásticos: ameaça invisível atrapalha fotossíntese e agricultura

Pequenos fragmentos de plástico, conhecidos como microplásticos, estão infiltrados em todos os cantos do nosso planeta, desde os oceanos mais profundos até ao solo que cultivamos. Um estudo recente publicado na revista científica PNAS lança um alerta preocupante: estes poluentes podem perturbar um dos processos mais fundamentais para a vida na Terra, a fotossíntese.

A investigação demonstra que os microplásticos podem aderir a algas e cianobactérias, bloqueando a luz solar e prejudicando a capacidade delas de produzir energia e oxigénio. Esta descoberta levanta sérias questões sobre o prejuízo a longo prazo da contaminação generalizada.

Os microrganismos fotossintéticos, como as microalgas e as cianobactérias, formam a base da maioria das cadeias alimentares aquáticas e são cruciais para a produção do oxigénio que respiramos.

O biólogo e microbiologista Luiz Fernando Romanholo explica que a presença de microplásticos em ambientes aquáticos reduz a incidência de luz e, consequentemente, a fotossíntese de algas de água doce e marinhas, devido à redução da clorofila, aumento do estress oxidativo e à interferência na absorção de luz e nutrientes.

Segundo ele, estas partículas com menos de 5 milímetros, originadas principalmente da degradação de resíduos plásticos, são consideradas contaminantes persistentes. O impacto direto desta interferência no equilíbrio ecológico de rios e lagos é significativo.

“O contato direto com microalgas e cianobactérias pode alterar o equilíbrio ecológico por inibir a fotossíntese e reduzir a produtividade primária, com efeitos bioacumulativos nas populações de zooplâncton e consumidores superiores”, adverte Romanholo.

Para além disso, os microplásticos têm a capacidade de absorver outros poluentes, como metais pesados, potencializando a toxicidade e libertando contaminantes ao longo da cadeia alimentar. As consequências da redução da fotossíntese estendem-se por toda a teia alimentar e afetam a qualidade da água.

“Reduções na fotossíntese implicam em menor produção de oxigénio e de fixação de carbono, reduzindo a biomassa disponível como base alimentar. Isto enfraquece as cadeias tróficas aquáticas (de zooplâncton a peixes) e pode favorecer a proliferação de espécies indesejadas ou algas tóxicas”, detalha o biólogo.

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Ameaça se estende à terra firme e à agricultura

A contaminação por microplásticos não se restringe aos ecossistemas aquáticos. Emanuele Abreu, professora de biologia no Colégio Católica Brasília, salienta que, embora no Brasil os microplásticos sejam mais encontrados em ambientes marinhos, estudos mais recentes também mostram que esses resíduos estão presentes em água doce, como rios e lagos, e cada vez mais no solo, inclusive em áreas agrícolas.

No solo, os microplásticos representam uma ameaça direta à saúde das plantas e, por conseguinte, à agricultura. “Eles podem prejudicar a saúde do solo, dificultando a passagem de água e de nutrientes que as plantas precisam. Isso pode afetar o crescimento das raízes e, como consequência, enfraquecer a planta”, explica.

A preocupação com as consequências na produção de alimentos é real e já sustentada por evidências científicas. “Alguns estudos internacionais já mostraram que o acúmulo de microplásticos no solo pode afetar a produtividade das plantações”, afirma a professora.

Porque o microplástico é tão perigoso?

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Embora mais comuns em ambientes marinhos, os microplásticos já foram encontrados em rios, lagos e áreas agrícolas brasileiras

Kinga Krzeminska / Getty Images
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Especialistas alertam para a necessidade de reduzir o uso de plástico, investir em reciclagem e ampliar os estudos de longo prazo, especialmente em ecossistemas de água doce

Peter Dazeley /Getty Images
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A interferência na fotossíntese desses microrganismos causa desequilíbrios ecológicos e pode levar à bioacumulação de toxinas em organismos como zooplâncton e peixes

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Partículas de plástico aderem nas microalgas e cianobactérias, reduzindo a incidência de luz e afetando diretamente a capacidade de produzir oxigênio e energia

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Os microplásticos contaminam solos agrícolas, afetando a passagem de água e nutrientes, o crescimento das raízes e a fotossíntese das plantas

Karetoria / Getty Images

Investigação e políticas públicas

Embora os estudos em laboratório, como o publicado na PNAS, sejam cruciais para compreender os mecanismos de toxicidade dos microplásticos, a professora de biologia pondera que os ecossistemas brasileiros são muito diversos e complexos. Por isso, pode haver diferenças.

“Mas os resultados de laboratório mostram que o problema é real e merece atenção, mesmo que os impactos no campo possam variar de região para região”, aponta.

No Brasil, o interesse científico sobre o tema tem crescido. Romanholo aponta que já existem mais de 2,7 mil publicações científicas relacionadas com o tema no país, com um aumento expressivo nos últimos anos.

Contudo, ele ressalta que ainda há uma lacuna significativa no país quanto a estudos experimentais e de longo prazo que investiguem os efeitos dos microplásticos em processos ecológicos essenciais, especialmente em ecossistemas de água doce e os efeitos combinados com outros poluentes.

Diante deste cenário, a implementação de políticas públicas eficazes torna-se urgente. Para Emanuele, a prioridade deveria ser a redução do uso de plásticos, o incentivo à reciclagem e o controle de resíduos nas áreas urbanas e rurais. A professora defende ainda a importância de investir em pesquisas sobre os efeitos dos microplásticos no solo e na agricultura, além de orientar agricultores e a população sobre como evitar a contaminação.

O estudo da PNAS e as análises dos especialistas brasileiros convergem para um ponto central: a poluição por microplásticos é uma ameaça complexa e multifacetada que exige uma ação imediata e coordenada da sociedade, da comunidade científica e dos governos para proteger a base da vida no nosso planeta.

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