Os detectores de mentira, popularizados por filmes, séries e reality shows, funcionam de maneira bem mais técnica e menos infalível do que a ficção sugere. Também chamados de polígrafos, esses equipamentos registram reações fisiológicas do corpo enquanto a pessoa analisada responde a perguntas.
Entre os sinais analisados estão a frequência cardíaca, o ritmo da respiração, a transpiração — medida por alterações na condutividade elétrica da pele — e, em alguns casos, contrações musculares involuntárias.
O poligrafista Jorge Maria, conhecido pela participação no quadro Héctor Bolígrafo, do talk-show Lady Night, explica que o cérebro entra em estado de conflito quando alguém mente, e isso se reflete fisicamente.
“A mentira exige esforço cognitivo e emocional. O papel do perito é interpretar essas mudanças dentro de protocolos técnicos rigorosos. O aparelho sozinho não aponta o culpado, mas é uma ferramenta poderosa na mão certa”, afirma.
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Ferramenta auxiliar, não decisiva
A confiabilidade do exame, segundo Jorge, pode ultrapassar 90% quando realizado por um profissional capacitado. Nos Estados Unidos, o uso é comum em agências como o FBI e a CIA.
No Brasil, apesar de não haver regulamentação para uso como prova judicial, o polígrafo já foi utilizado em investigações criminais, sindicâncias corporativas, casos trabalhistas e perícias internas, sempre com o consentimento das partes.
“Sem autorização não podemos fazer o teste. Ninguém pode ser obrigado a produzir provas contra si mesmo”, esclarece o especialista.
Ele reforça que o polígrafo deve ser tratado como um recurso complementar. “Ele ajuda a iluminar o caminho da verdade, mas não substitui a justiça nem o trabalho investigativo mais amplo”, diz.
A professora Sabine Pompeia, do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), concorda que os polígrafos não devem ser encarados como equipamentos que identificam mentiras com precisão.
“O que eles medem são alterações fisiológicas, como aumento da pressão arterial, da frequência cardíaca, da resposta galvânica da pele, que é um tipo de suor, e até contrações em músculos da face. Mas essas reações estão mais ligadas ao estresse e à emoção do que à mentira em si”, ressalta Sabine.
Os detectores de mentira não podem ser usados para determinar culpa ou inocência de uma pessoa
É possível “enganar” o detector de mentiras?
Uma dúvida frequente é se as pessoas analisadas podem enganar o polígrafo. Jorge Maria diz que é extremamente difícil, especialmente quando o exame é bem conduzido.
“O sistema nervoso autônomo reage involuntariamente a emoções como medo, culpa e tensão. Mesmo quem tenta manipular a respiração ou usar técnicas mentais quase sempre mostra inconsistências”, afirma.
Para o profissional, o fator determinante está na condução do exame. “Aplicar polígrafo não é apertar botões. É entender de comportamento humano”, reforça.
Segundo Sabine, algumas pessoas tentam enganar o sistema usando técnicas de relaxamento, imaginam cenários tranquilos ou tomam medicamentos para alterar o ritmo cardíaco e outras respostas do corpo.
Mas ressalta que isso não é exatamente “enganar o detector”, já que o equipamento não chega a medir a mentira diretamente. “Tudo indica que polígrafos nem são detectores de mentira. Eles apenas captam reações emocionais que variam conforme o contexto”, completa.
A especialista lembra que a ciência ainda não conseguiu comprovar a existência de um marcador fisiológico exclusivo da mentira. “As reações medidas também podem surgir em pessoas que estão dizendo a verdade, mas se sentem ansiosas, ameaçadas ou simplesmente desconfortáveis com a situação”, afirma.
Por isso, a aceitação do polígrafo como prova judicial é muito restrita. “Em muitos tribunais ele não é aceito. Existe um consenso na literatura científica de que o equipamento não serve para determinar culpa ou inocência”, destaca.
Polígrafo ou VSA?
Além do polígrafo tradicional, Jorge também utiliza em suas avaliações a análise de estresse vocal, feita com o VSA (sigla para voice stress analysis). A tecnologia detecta micro variações na voz causadas por estresse emocional, o que pode indicar que a pessoa está mentindo.
“O VSA pode ser usado em gravações ou de forma remota, sem fios ou sensores no corpo, o que o torna mais prático”, explica o especialista.
Apesar de aparecer em um programa de humor, Jorge leva a técnica a sério. “No Lady Night eu uso o VSA real, mesmo que o quadro tenha um tom leve. As pessoas se divertem, mas também aprendem que é possível identificar sinais de mentira com base científica”, diz.
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