Nova missão a Plutão poderia revelar o oceano oculto do planeta anão

Quando a sonda New Horizons, da NASA, passou por Plutão em 2015, revelou um mundo surpreendente. Montanhas de gelo, neblinas finas e sinais de atividade geológica indicaram que um oceano subterrâneo pode existir no planeta anão. Desde então, pesquisadores vêm tentando entender melhor esse lugar distante.

Entre eles está Carly Howett, cientista planetária da Universidade de Oxford, na Inglaterra, que fez parte da equipe da New Horizons. No mês passado, durante a conferência “Progresso na Compreensão da Missão de Plutão: 10 Anos após o Sobrevoo”, realizada em Laurel, Maryland, nos EUA, ela apresentou as atualizações de um projeto que propõe enviar uma nova sonda para estudar Plutão de perto. O plano prevê uma missão de longa duração, capaz de estudar o planeta anão por mais de meio século.

Simulação da sonda New Horizons se aproximando de Plutão. Crédito: muratart – Shutterstock

O projeto foi batizado de Perséfone, inspirado na rainha do submundo da mitologia grega, esposa de Plutão (o deus romano). O nome foi escolhido também para refletir a participação significativa de mulheres na liderança da missão.

A sonda Perséfone levaria 11 instrumentos científicos, todos baseados em tecnologias já testadas em outras missões, mas com melhorias. O principal objetivo é descobrir se Plutão ainda guarda um oceano líquido sob sua crosta gelada. Antes da New Horizons, a maioria dos cientistas acreditava que isso era improvável. Em mundos congelados, a água tende a solidificar com o tempo. Para permanecer líquida por bilhões de anos, seria preciso uma fonte constante de calor interno.

Algumas luas, como as de Júpiter e Saturno, se mantêm aquecidas graças à gravidade de seus planetas e de vizinhos próximos, que causam flexões no interior. Plutão e sua maior lua, Caronte, formam um sistema quase equilibrado em tamanho, o que poderia ajudar a reter calor, especialmente se o oceano contiver substâncias que diminuam o ponto de congelamento.

Uma das perguntas que a sonda Perséfone poderia responder sobre Plutão é se o planeta anão mantém um oceano escondido sob sua crosta. Crédito: Carly Howett et. al. / NASA, 2020.

Missão Perséfone passaria três anos na órbita de Plutão

A New Horizons não ficou muito tempo por lá – observou Plutão em detalhes por apenas algumas horas. Já a Perséfone entraria em órbita e ficaria três anos estudando o planeta anão de perto.

Entre as tarefas, a sonda analisaria a forma de Plutão para buscar sinais de antigas protuberâncias criadas pela gravidade, algo mais fácil de identificar quando existe água líquida no interior. Também mediria a composição e a estrutura de Plutão e Caronte, calculando a espessura do gelo e identificando pontos de calor.

O momento da chegada seria no auge de um inverno que dura cem anos. Por isso, grande parte do planeta anão estaria no escuro, exigindo câmeras e sensores capazes de ver além da sombra. A nave mapearia toda a superfície, inclusive áreas que ficaram ocultas durante a visita da New Horizons, buscando mudanças, erupções e crateras novas.

Estrutura proposta da sonda Perséfone. Crédito: Carly Howett et. al. / NASA, 2020.

Os cientistas também querem entender as formações estranhas dos dois objetos. Em Plutão, há lâminas afiadas de gelo de metano, possivelmente formadas pela sublimação direta de sólido para gás. Em Caronte, uma enorme montanha gelada está cercada por um fosso – algo único no Sistema Solar.

A atmosfera de Plutão também intriga. Descoberta em 1988, ela parece estar se transferindo lentamente para Caronte, criando uma mancha vermelha em um dos polos da lua. A Perséfone faria medições diretas da composição atmosférica usando espectrômetros de alta precisão.

Além de Caronte, a missão tentaria estudar as outras quatro luas de Plutão: Nix, Hidra, Cérbero e Estige. Observações anteriores já indicaram gelo de água e traços de amônia em algumas delas. Dependendo da rota e do momento do lançamento, a sonda poderia até sobrevoar uma dessas luas menores.

Após três anos na órbita de Plutão, a nave aproveitaria a gravidade do sistema para seguir até outro objeto do Cinturão de Kuiper, região cheia de corpos gelados remanescentes da formação do sistema solar. Isso aumentaria o retorno científico da missão.

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Sonda levaria mais de 27 anos para chegar ao planeta anão

Mas o desafio é grande. Com o atual alinhamento planetário, a viagem até Plutão levaria cerca de 27 anos e meio, quase três vezes mais tempo que a New Horizons. Para manter a sonda funcionando durante todo esse período, seriam necessários cinco Geradores Termoelétricos de Radioisótopos de Próxima Geração (NGRTGs), que usam o calor do decaimento radioativo para gerar energia.

O problema é que o plutônio usado nesses geradores é escasso. Hoje, a NASA produz apenas 1,5 quilo por ano, enquanto cada RTG tradicional consome quase cinco quilos. Isso exigiria um investimento considerável na produção desse combustível.

O custo estimado da missão é de cerca de US$3 bilhões. Segundo Howett, seria um projeto de “nível emblemático”, algo comparável às maiores missões espaciais já feitas. Ela lembra que o Telescópio Espacial Hubble já está ativo há 35 anos e que as sondas Voyager continuam enviando dados quase 50 anos após o lançamento.

Composição de imagens coloridas aprimoradas de Plutão (canto inferior direito) e Caronte (canto superior esquerdo) obtida pela sonda New Horizons enquanto passava pelo planeta anão em 14 de julho de 2015. Crédito: NASA, APL, SwRI

Outro desafio é humano: uma missão que pode durar 50 anos precisará atravessar gerações de cientistas. A equipe original teria de treinar sucessores e manter o conhecimento vivo ao longo das décadas. De acordo com o site Space.com, na New Horizons, esse aspecto foi um dos mais complexos de gerenciar.

As oportunidades de lançamento para a Perséfone estariam disponíveis entre 2029 e 2032. Depois disso, seria preciso esperar dez anos devido à posição de Júpiter, que influencia a trajetória.

Por enquanto, essa sonda faz parte de um estudo de conceitos da NASA para avaliar prioridades e viabilidade de futuras missões. Mesmo que não seja aprovada agora, seu desenvolvimento já trouxe avanços que podem ser aplicados a outros projetos, especialmente no planejamento de órbitas e na adaptação de instrumentos.

“Retornar a Plutão é possível, mas não é barato”, disse Howett. “Seria um investimento de longo prazo, mas com potencial para descobertas únicas sobre um dos mundos mais intrigantes do Sistema Solar.”

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