Um sistema de inteligência artificial (IA) desenvolvido no Brasil desempenhou papel central na renovação da licença de operação da usina nuclear Angra 1, em Angra dos Reis (RJ). A tecnologia permitiu estimar o histórico de temperatura de equipamentos e, com isso, determinar a vida útil de componentes estratégicos para a segurança da planta.
A licença venceria em 31 de dezembro de 2024, e a Eletronuclear havia solicitado à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) a prorrogação por mais 20 anos. Após avaliação técnica e de segurança, a CNEN autorizou a operação até 2044.
Software desenvolvido na UFRJ
Batizado de Sistema de Vida Qualificada (SVQ), o software foi criado por pesquisadores do Laboratório de Monitoramento de Processos (LMP), da COPPE-UFRJ. Ele utiliza dados de sensores instalados nos equipamentos desde 2015 para estimar temperaturas passadas — período em que as usinas nucleares não possuíam tais medidores. Além de reconstruir o histórico, o sistema também é capaz de prever temperaturas futuras.
Segundo o físico Roberto Schirru, coordenador do LMP, o SVQ foi treinado com redes neurais profundas, correlacionando informações de sensores com dados históricos do Sistema Integrado de Computadores de Angra (SICA), que monitora mais de 6 mil parâmetros de segurança. Isso permitiu inferir as temperaturas entre 1985 e 2015, os primeiros 30 anos de operação.
Um estudo publicado em 2023 na revista Progress in Nuclear Energy mostrou que o sistema apresentou erro médio inferior a 2 °C em 89% dos casos analisados. Com essas informações, os engenheiros da usina conseguem estimar de forma mais precisa a vida útil de cada componente.
Impacto na manutenção e na segurança
Marcos das Candeias da Silva, engenheiro da Eletronuclear, disse à FAPESP que cerca de 1,5 mil equipamentos foram avaliados e mais de 100 tiveram a vida útil estendida. Isso representa economia, evita paradas desnecessárias e reduz o descarte prematuro de materiais.
O executivo afirma que Angra 1 é a única usina do mundo a utilizar um sistema de IA para apoiar decisões sobre a substituição de peças. Sem o SVQ, as trocas seriam feitas apenas com base no tempo de certificação ou em inspeções pontuais.
Em julho de 2024, especialistas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) destacaram o SVQ como exemplo a ser compartilhado globalmente, elogiando o programa de gestão de envelhecimento da usina.
Evolução da ferramenta
A segunda versão do SVQ, entregue em 2024, permite reentreinar o algoritmo com dados atuais e ajustar parâmetros de avaliação. Assim, engenheiros poderão projetar a vida útil futura dos equipamentos e corrigir previsões de forma automática, conforme as condições reais de operação.
Segundo Andressa Nicolau, gerente do projeto no LMP, o novo modelo amplia a capacidade de monitoramento e oferece mais autonomia à equipe da Eletronuclear.
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Sistema nacional de medição de radiação
O processo de inspeção em Angra 1 também conta com um sistema de avaliação de radiação criado no Brasil pelo físico Oswaldo Baffa, da USP, com apoio da Fapesp. A tecnologia utiliza dosímetros de alanina/ESR, capazes de medir desde doses muito baixas (menos de 1 Gy) até milhares de Gy, superando o alcance dos dosímetros luminescentes tradicionais.
Um estudo publicado em 2022 na Radiation Physics and Chemistry mostrou que as medições realizadas com 85 desses dosímetros indicaram níveis de radiação menores que os previstos para 40 anos de operação.
Além de Angra 1, a Eletronuclear opera Angra 2, inaugurada em 2001, que já conta com sensores de temperatura e radiação. A expectativa é que tanto o SVQ quanto o sistema de medição por alanina sejam usados no processo de renovação da licença da unidade, previsto para 2040.
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