Um artigo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences desafia a ideia de que a vida só pode existir onde há água. Pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA, sugerem que outros líquidos poderiam criar condições favoráveis à vida em planetas rochosos.
Durante décadas, cientistas assumiram que a água líquida era indispensável para qualquer forma de vida. Novos experimentos, no entanto, indicam que líquidos iônicos – sais que permanecem líquidos em altas temperaturas e sob pressão baixa – também podem sustentar processos biológicos. Essa possibilidade muda o foco da busca por vida fora da Terra.
Em poucas palavras:
Estudo sugere que a água não é pré-requisito para sustentar a vida fora da Terra;
Líquidos iônicos podem assumir esse papel;
Esses líquidos surgem da mistura de ácido sulfúrico e compostos orgânicos nitrogenados;
Eles são resistentes a altas temperaturas e à baixa pressão atmosférica;
Experimentos mostram estabilidade química e processos biológicos essenciais;
A descoberta amplia zonas de habitabilidade em planetas rochosos.
Aqui na Terra, a água é essencial para a vida – mas isso não é necessariamente uma regra para outros planetas rochosos. Crédito: Mahmoud Taieb – Shutterstock
Líquidos iônicos podem existir em planetas onde a água não resistiria
O estudo revelou que líquidos iônicos podem ser gerados pela mistura de ácido sulfúrico e compostos orgânicos contendo nitrogênio. Esses ingredientes químicos existem naturalmente em alguns planetas rochosos e luas. O ácido sulfúrico surge da atividade vulcânica, enquanto compostos nitrogenados já foram detectados em asteroides e outros corpos celestes – o que significa que os líquidos iônicos podem ocorrer em diversos sistemas planetários.
Uma das principais características dos líquidos iônicos é a baixa pressão de vapor, que impede que evaporem. Dessa forma, eles podem existir em planetas quentes ou com atmosferas finas, onde a água líquida não sobreviveria. Além disso, certas proteínas se mantêm estáveis nesse fluido, indicando que ele pode sustentar processos químicos essenciais para a vida.
Experimentos produziram líquidos iônicos, que foram gerados pela evaporação do excesso de ácido sulfúrico de misturas de vários compostos orgânicos com ácido sulfúrico concentrado. Crédito: Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)
“Consideramos a água necessária para a vida porque é o que é necessário para a vida na Terra. Mas, se analisarmos uma definição mais geral, vemos que precisamos de um líquido no qual o metabolismo para a vida possa ocorrer”, diz a líder do estudo, Rachana Agrawal, pós-doutoranda no Departamento de Ciências da Terra, Atmosféricas e Planetárias do MIT, em um comunicado. Segundo ela, a inclusão do líquido iônico amplia a chamada “zona de habitabilidade” de planetas rochosos, aumentando o número de mundos potencialmente habitáveis.
A pesquisa teve início a partir de estudos sobre Vênus, que é envolto em nuvens densas de ácido sulfúrico. Apesar de tóxicas, essas nuvens podem abrigar sinais de vida. Para testar essa hipótese, os cientistas simularam em laboratório a evaporação de ácido sulfúrico misturado à glicina, um composto orgânico, e analisaram como o fluido se comportava em diferentes condições de temperatura e pressão.
Os experimentos mostraram que, mesmo após grande parte do ácido evaporar, sempre permanecia uma camada líquida persistente. O ácido reagia com a glicina, formando sais líquidos – os líquidos iônicos. O fluido se manteve estável em uma ampla faixa de temperaturas e pressões, sugerindo que poderia existir naturalmente em outros planetas com condições extremas.
Cientistas analisam a possibilidade de existir vida nas nuvens do planeta Vênus. Crédito: Limbitech – Shutterstock
No laboratório, a equipe testou mais de 30 compostos orgânicos contendo nitrogênio em diferentes proporções e misturou-os com rochas basálticas, comuns na superfície de planetas rochosos. Em todos os casos, a reação produziu líquido iônico, mesmo em condições extremas de calor e pressão baixa. Esses resultados indicam que o fenômeno não depende de condições muito específicas, aumentando a probabilidade de ocorrência natural.
Hipótese pode ajudar a detectar sinais de vida em planetas sem água
A descoberta tem implicações importantes. Na Terra, líquidos iônicos são sintetizados principalmente para uso industrial e não ocorrem naturalmente, exceto em casos muito específicos. Em outros ambientes, entretanto, a combinação de ácido sulfúrico com compostos orgânicos poderia gerar pequenas bolsas de líquido iônico, criando micro-oásis potencialmente habitáveis.
“Estamos imaginando planetas mais quentes que a Terra, sem água, mas com ácido sulfúrico liberado por vulcões e pequenas reservas de matéria orgânica”, explica Sara Seager, professora do MIT e coautora do estudo. “Esses bolsões poderiam persistir por anos ou até milênios, permitindo que formas simples de vida sobrevivam e até se desenvolvam.”
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A pesquisa abre novas perspectivas para futuras missões a Vênus e mundos fora do Sistema Solar. Cientistas poderão investigar quais biomoléculas conseguem sobreviver em líquidos iônicos e como detectar sinais de vida em planetas sem água.
Além disso, os líquidos iônicos poderiam servir como modelos para entender processos químicos extremos e origens da vida em condições adversas. Para os autores, essa abordagem representa o início de uma nova era de exploração científica, mostrando que a vida pode se adaptar a ambientes que antes seriam considerados inóspitos.
“Estamos abrindo possibilidades que nunca imaginamos. A vida pode se desenvolver em ambientes extremos, e o Universo pode ser mais hospitaleiro do que pensávamos”, conclui Seager.
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