A paisagem composta por montanhas, lagos grandiosos e bosques centenários cobertos de neve não é uma exclusividade europeia. Na Argentina, a Rota dos Sete Lagos, na província de Neuquén, entrega exatamente esse cenário.
O destino não chega a ser desconhecido entre os brasileiros, mas ainda é pouco explorado por nós. Em geral, a rota é espremida em um passeio bate-volta a partir de Bariloche, que fica na província vizinha de Río Negro. Um pecado.
Muito melhor é esticar a viagem e usar como base Villa La Angostura e San Martín de Los Andes, em um roteiro sem pressa. Ao mesmo tempo que preservam um clima sossegado, avesso à badalação, as cidades possuem hotéis excelentes e restaurantes idem.
De brinde, a região ainda guarda três estações de esqui, incluindo uma novinha em folha — o Lago Hermoso Ski Resort, inaugurado em 2021. Em tempo: se fizer a viagem com o intuito de ver neve em abundância, saiba que ela é mais garantida entre o final de julho e o início de setembro.
A paisagem nevada de Villa La Angostura, ponto de partida do roteiroTurismo Neuquén/Divulgação
VILLA LA ANGOSTURA
A porta de entrada é Bariloche, cujo aeroporto recebe voos diretos do Brasil durante a temporada de esqui. De lá, são cerca de 80 km até Villa La Angostura.
As vizinhas compartilham entre si o Lago Nahuel Huapi, mas diferem em todos os outros aspectos. Em Villa La Angostura, que também tem o Lago Correntoso aos seus pés, a proposta é sossegar e curtir a natureza, dominada pelos arrayanes.
Essas árvores de troncos retorcidos e casca cor de canela podem ser vistas no Parque Nacional Los Arrayanes. A entrada principal é por um istmo que tem de um lado a Bahía Mansa e, do outro, a Bahía Brava, duas praias muito populares no verão. No inverno, o programa consiste em admirar a paisagem e percorrer uma trilha que leva até um mirante para ver o Lago Nahuel Huapi de cima.
A Bahía Mansa é um dos postais de Villa La AngosturaBárbara Ligero/Viagem e Turismo
O caminho segue por mais 12 quilômetros em direção ao sul até o Bosque de Arrayanes, onde as árvores dessa espécie são mais abundantes. Caso caminhar esse tanto não empolgue, a alternativa é ir de barco: da Bahía Brava saem embarcações que levam até lá em passeios de cerca de três horas de duração.
O bosque é composto quase que exclusivamente pela espécie arrayán, criando um ambiente de beleza incomum//Divulgação
Na estação mais fria do ano, uma parada obrigatória é o Cerro Bayo Ski Boutique. Com 200 hectares de área esquiável, o centro de esqui é considerado pequeno, mas tem uma quantidade respeitável de pistas, que também chamam atenção por serem longas.
Como iniciante no esporte, adorei que quatro das pistas verdes são interligadas entre si e atendidas por magic carpets (esteiras rolantes) — assim, dá para aproveitar muito mais e evoluir nas descidas. Outra pista de nível fácil é a “Camino Panorámico”, que se estende por cinco quilômetros até a base da montanha, com vista para o Lago Nahuel Huapi no meio do caminho.
Vista de camarote do Cerro Bayo//Divulgação
A estação de esqui fica a 15 minutos de carro do centrinho de Villa La Angostura, que se resume à Avenida de los Arrayanes, de poucos quarteirões. É ali que você vai encontrar lojas para alugar roupas e equipamentos de esqui, como a Outlab, chocolaterias artesanais, como a Benroth e a Bosque, e alguns restaurantes.
A Avenida de Los Arrayanes é a principal de Villa La AngosturaTurismo Neuquén/Divulgação
O melhor é o Tinto Bistró, onde comi o ótimo “surf ‘n turf’: corte de carne bovina e camarões ao molho de açafrão, acompanhados de fettuccine na manteiga. A sobremesa “puyehue”, um fondant de chocolate servido com sorvete de doce de leite, estava doce na medida.
Mais despretensioso, o Nicoletto tem uma extensa lista de massas artesanais, feitas na casa, que podem ser acompanhadas do molho à escolha. Em uma travessa da Avenida de los Arrayanes, uma opção é o Amélie, de fondue.
O Tinto Bistró se propõe a fazer uma fusão entre as culinárias mediterrânea e asiáticaBárbara Ligero/Viagem e Turismo
Ao mesmo tempo que tem clima de cidade pequena, Villa La Angostura guarda hotéis de respeito. Com mais de cem anos de história, o Correntoso é o mais antigo da Patagônia Argentina e desfruta de uma localização privilegiada entre o rio e o Lago Correntoso, que pode ser admirado da piscina aquecida de borda infinita.
O spa possui um hammam, ótimo para relaxar depois do esqui. Não que exista muito estresse envolvido: o hotel conta com o serviço de um “snowman”, que se encarrega de passes, aulas, aluguel de equipamentos e tudo o mais que for necessário para curtir o Cerro Bayo.
Para quem não está hospedado no Correntoso, uma ótima forma de visitá-lo é no chá da tarde, que acontece no clássico estilo inglês. Junto com o chá, é servida uma torre com sanduíches e outros docinhos, além de scones para comer com geleia.
Hotel Correntoso: um clássico de Villa La Angostura//Divulgação
Me hospedei em outra estrela da hotelaria local, o Las Balsas, que é membro da seleta associação de hotéis de luxo Relais & Châteaux. Bem em frente à uma praia praticamente privativa do Lago Nahuel Huapi, o edifício pintado de azul guarda uma aconchegante sala de estar com lareira e um restaurante comandado pelo colombiano Duvan Ochoa. Segundo a turma do hotel me contou, o chef está perseguindo o sonho de conquistar sua primeira estrela Michelin.
Uma nevasca me recebeu no Hotel Las BalsasBárbara Ligero/Viagem e Turismo
O menu degustação, impecável, valoriza ingredientes da região. Foi inesquecível o duo de entrada composto de tartare de truta e tartare de carne. Já a truta acompanhada de arroz de coco levava um curry de tomate que — surpresa! — muito lembrava o sabor de uma moqueca baiana.
Apresentação impecável da truta com arroz de côcoBárbara Ligero/Viagem e Turismo
Em um anexo está a piscina aquecida, que fica metade em um ambiente interno com lareira e metade ao ar livre, ao lado de uma escaldante jacuzzi. Estar do lado de fora, imersa na água quente até o pescoço, enquanto a neve caia é uma experiência e tanto. Bem ao lado, uma sala com paredes de pedra foi o cenário para eu soltar a tensão dos músculos recebendo uma massagem.
Lado interno da piscina aquecida, para apreciar a paisagem sem frioBárbara Ligero/Viagem e Turismo
O aconchego da sala de massagem do Las BalsasBárbara Ligero/Viagem e Turismo
O Las Balsas possui apenas 20 acomodações, sendo que 10 são vilas privativas dignas de cinema. Bem de frente para a cama, uma parede de vidro emoldura a vista para o lago — para mim, teve um efeito hipnotizante ficar deitada assistindo a neve se acumular nas árvores no lado de fora. Cada unidade possui incríveis 120 m², incluindo um banheiro espaçoso onde a banheira de imersão também permite espiar a paisagem.
Vilas do Las Balsas: coisa de cinemaBárbara Ligero/Viagem e Turismo
O banheiro dos sonhosBárbara Ligero/Viagem e Turismo
NA ROTA DOS SETE LAGOS
Cerca de 110 quilômetros separam Villa La Angostura de San Martín de Los Andes, trajeto que pode ser feito em duas horas sem paradas. Mas, quando há tantas belezas pelo caminho, pra quê a pressa? A proposta aqui é pegar a cênica Ruta 40 parando nos vários mirantes que existem pelo caminho.
Ruta 40: a própria estrada já é um encantoTurismo Neuquén/Divulgação
O primeiro geralmente já é o favorito de quem se aventura na Rota dos Sete Lagos. O Lago Espejo recebe esse nome por espelhar as montanhas que o cercam quando o tempo está mais aberto e ensolarado. Esse não foi o caso do dia da minha visita, mas a paisagem, toda coberta de branco, não deixou de surpreender. Mais adiante, outra parada para ver o sinuoso Lago Correntoso.
O Lago Espejo é um dos destaques da Rota dos Sete LagosBárbara Ligero/Viagem e Turismo
Vista do Lago CorrentosoBárbara Ligero/Viagem e Turismo
A partir daqui, existem duas opções. A primeira é seguir adiante pela Ruta 40, passando pelos mirantes do Lago Escondido (que tem a vista parcialmente tampada pelos troncos de árvores), do Lago Villarino, do Lago Falkner e do Lago Machónico, chegando a San Martín de Los Andes no final do dia.
O Lago Escondido fica espremido entre as montanhasTurismo Neuquén/Divulgação
A segunda opção é adiar esse trajeto para o dia seguinte e pernoitar em Villa Traful, um vilarejo ainda menor que Villa Angostura, mas com altas doses de charme — melhor ainda se for no Hotel Alto Traful, de arquitetura contemporânea e cercado pela natureza. A cidadezinha fica às margens do Lago Traful, tido por alguns como o mais bonito de toda a região pelas águas em tons de azul e verde.
Villa Traful é casa para cerca de 400 habitantesTurismo Neuquén/Divulgação
Mas a vida não é um alfajor. O acesso à Villa Traful é pela Ruta Provincial 65, uma estrada bastante estreita e sinuosa que corta as montanhas e pode ser especialmente desafiadora em dias com gelo ou neve na pista. Eu mesma não consegui chegar: depois de algumas tentativas frustradas com a van patinando, tivemos que voltar.
Pegando ou não a Ruta Provincial 65 para Villa Traful, durante o inverno é importante deixar a direção com quem tem muita experiência nessas condições climáticas — coisa que o brasileiro geralmente não tem. Em muitos casos, é necessário colocar correntes nos pneus, processo que pode ser um verdadeiro perrengue para quem nunca fez. Para completar, ali não há sinal de celular.
Em suma: evite alugar carro e prefira sempre contratar o serviço de uma agência de confiança. Recomendo a Angostura VIP, de Villa Angostura, e a Patagonia In Out, de San Martín de Los Andes.
SAN MARTÍN DE LOS ANDES
Cidade relativamente grande para os padrões locais, San Martín de Los Andes fica espremida entre o Parque Nacional Lanín e o Lago Lácar. É um barato ver essa combinação do alto a partir do Mirador Arrayanes e depois tomar um chá da tarde caprichado na vizinha Casa de Té Arrayán, um chalé construído em 1936. De tão especial, o lugar virou patrimônio arquitetônico e cultural de Neuquén.
O Lago Lácar e San Martín de Los Andes vistos de cimaBárbara Ligero/Viagem e Turismo
Casa de Té Arrayán é um lugar especial para tomar um chá da tarde//Divulgação
No centrinho, gostoso de bater perna, os achados são muitos. A Avenida San Martín é a artéria, mas vale explorar também as ruas que a cortam. Não tem quem deixe a cidade sem levar chocolates da marca local Mamusia. Já a Almacen Don Juan e a El Regional são uma perdição para comprar delícias patagônicas, como conservas de truta, geleias, potes de doce de leite, chás e alfajores.
A oferta gastronômica surpreende. Com luzes baixas e ambientes intimistas, duas boas pedidas para jantar são o Casa Chola, onde comi um ótimo risoto de cogumelos, e o La Bernadita. Neste último, fizeram um bom par a entrada de buñuelos (bolinhos de espinafre recheados com camarão) e os ravioles recheados de truta como prato principal. Aproveite a oportunidade para provar um vinho local: a província de Neuquén é conhecida pela produção de pinot noir. Uma sugestão é o vinho Saurus, da bodega Família Schroeder.
O bonito salão do restaurante La Bernadita//Divulgação
Para curtir todo o encanto do centro de San Martín de Los Andes, vale reservar um dos nove quartos do hotel boutique Casa de Eugenia, a três quadras da avenida principal.
Casa de Eugenia: jeitinho de casa de vóBárbara Ligero/Viagem e Turismo
As acomodações são simples e as áreas comuns têm carinha de casa de vó, com muita memorabilia compondo a decoração. O café da manhã é um charme: medialunas quentinhas, ovos mexidos e docinhos são servidos na mesa em uma sala cheia de janelas voltadas para o jardim.
Assim já dava para ir observando a quantidade de neve acumulada lá fora, um sinal auspicioso para o esqui. Afinal, San Martín de Los Andes conta não só com uma, mas duas estações a cerca de 30 minutos do centro.
A aconchegante sala de estar do La Casa de Eugenia//Divulgação
Na Casa de Eugenia, os dias começam aqui, com medialunas quentinhasBárbara Ligero/Viagem e Turismo
Chapelco, com origens que remontam à década de 1960, está prestes a receber mudanças importantes: depois de 38 anos, foi aberta uma licitação para nova concessão da estação, e a empresa vencedora, que assumiu na temporada 2025, promete fazer modernizações.
Se você já tem alguma habilidade com esportes de neve, esse lugar é para você: das 29 pistas, quase metade é de nível avançado, e há ainda uma ampla área para ski off-piste, que os experts adoram. Uma forma diferente de desbravar a montanha é pilotando motos de neve em meio à floresta nevada, uma brincadeira que achei linda e divertida.
Passeio de moto de neve é uma das atividades no Cerro Chapelco//Divulgação
O Lago Hermoso Ski Resort, por sua vez, é novato no pedaço. A estação abriu em 2021 como a única da Argentina que fica dentro de um parque nacional; no caso, o Parque Nacional Lanín. De quebra, do alto da montanha os esquiadores têm uma vista surreal do Lago Hermoso que, de fato, é muy hermoso, hermosísimo.
Vista surpreende nas pistas do Lago Hermoso Ski Resort//Divulgação
Se por um lado as pistas ainda são poucas, elas têm a vantagem de serem bem longas e estarem atendidas pelo que há de mais moderno em meios de elevação. Além disso, o centro de esqui está comprometido em fazer melhorias e expansões a cada temporada, além de manter certa exclusividade: há um limite de 900 pessoas por dia, o que torna imprescindível reservar a visita com antecedência pelo site.
Dica: para quem nunca esquiou, existem pacotes de “batismo de neve”, que incluem o passe, o aluguel de equipamentos e aula de duas horas por um preço mais em conta.
Lago Hermoso Ski Resort: esqui sem muvuca//Divulgação
Outra aposta do Lago Hermoso é a variedade de atividades, que incluem moto de neve, cavalgadas e caminhadas com raquetes. Escolhi essa última, que consiste em fazer uma trilha de uma hora e meia pelo bosque usando nos pés as tais raquetes, que distribuem o peso e impedem de afundar na neve fofa. Com sorte, é possível ver cervos e outros bichinhos da floresta.
De San Martín de Los Andes, é possível partir pelo Aeroporto de Chapelco, em um voo para o Brasil com escala em Buenos Aires.
Bônus: San Junín de Los Andes
A menos de uma hora de San Martín, a pequena San Junín de Los Andes guarda uma atração de peso. A Vía Christi é um circuito de dois quilômetros em meio à natureza que passa por 15 esculturas feitas pelo artista Alejandro Santana, todas representando diferentes momentos da vida de Jesus.
As 15 esculturas foram sendo inauguradas aos poucosTurismo Neuquén/Divulgação
Mas, além do caráter religioso, as representações também carregam reflexões de caráter mais mundano e críticas sociais. Para captar essas minúcias, o ideal é fazer o passeio guiado, que acontece de segunda a sexta-feira às 10h. O ponto alto é uma escultura de Cristo de 33 metros, que parece brotar do alto de uma colina.
Escultura é feita com material que reflete a luz do sol e, por isso, é chamada de Cristo LuzTurismo Neuquén/Divulgação
Depois da visita à Vía Christi, meu almoço no Fogo, dentro do hotel Spring Creek Lodge, foi uma grata surpresa. O chef Federico Castro deu um show logo na entrada com um tartare de truta coroado por um lindo círculo feito com tinta de lula. Um jeito delicioso de encerrar uma viagem por um dos lugares mais lindos da Argentina.
Refeições são servidas em sala de jantar intimista do hotelBárbara Ligero/Viagem e Turismo
Entrada do restaurante Fogo era uma verdadeira obra de arteBárbara Ligero/Viagem e Turismo
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