Cerrado pega fogo sozinho? Veja como vegetação brasileira reage à seca

Em agosto e setembro, a frequência de incêndios florestais nas regiões do cerrado aumenta muito: neste período do ano passado, foram mais de 2 milhões de hectares queimados, uma área equivalente a quase 3 milhões de campos de futebol.

Embora as queimadas durante o pico da seca sejam frequentes, elas raramente ocorrem sem a presença humana. Pesquisadores ouvidos pelo Metrópoles explicam que o Cerrado praticamente nunca entra em combustão espontânea.

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Fogo como responsabilidade humana

Segundo a bióloga Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB) e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), os incêndios na estação seca quase sempre têm a ação humana como fonte de ignição.

“No auge da estação seca temos um acúmulo de massa vegetal seca e condições meteorológicas que favorecem a propagação de incêndios. O componente que falta na equação é a ignição, que nesses meses é por ação humana”, explica.

Na natureza, o fogo ocorre de forma natural por conta de relâmpagos ou em regiões de vulcões ativos. Em todas as regiões do mundo, porém, é a ação humana, acidental ou provocada, que é a maior propagadora de incêndios florestais.

O diferencial do período, portanto, não está na forma que o fogo começa, mas em como ele se propaga. “Na seca, o clima está mais quente e seco, os ventos são mais fortes e há muita vegetação seca acumulada. Esse cenário favorece incêndios de alta intensidade e grande alcance. Por isso, é fundamental evitar qualquer tipo de ignição nesse período, quando as chances de queimadas catastróficas são muito maiores”, explica o pesquisador Leandro Maracahipes, da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, e apoiado pelo Instituto Serrapilheira.

Por isso, nestes meses mais críticos, apenas uma pequena faísca, como a de um cigarro jogado no chão, é capaz de iniciar incêndios de grandes proporções. A maior causadora das queimadas, porém, é a ação humana proposital para desmatamento, além do hábito de queimar lixo.

Maracahipes lembra que, no início da estação chuvosa, os primeiros raios também podem acender focos, mas este fator natural só aparece com a chegada da chuva, que na região Centro-Oeste do Brasil ainda não tem data para acontecer.

Embora algumas plantas do cerrado sejam adaptadas para resistir ao fogo, incêndios frequentes acabam destruindo a vegetação por completo

Cerrado e as plantas adaptadas ao fogo

Com as queimadas causadas pelos raios no início das chuvas e as secas que duravam meses, o Cerrado foi um bioma que se desenvolveu com a presença das queimadas, por isso ele abriga espécies vegetais com adaptações para resistir ou se regenerar após incêndios.

Muitas das plantas possuem a casca espessa para lidar com as altas temperaturas e capacidade de rebrotar a partir de raízes subterrâneas que não foram atingidas pelas chamas. Algumas plantas, inclusive, aprenderam a usar o fogo como vantagem para se reproduzir com raízes fortes e aproveitando a matéria orgânica deixada pelas queimadas: entre elas estão a Calliandra dysantha (“flor-do-cerrado”) e a Byrsonima verbascifolia (“murici”).

Esta maior resistência, no entanto, não significa que as plantas do cerrado são imunes ao fogo. As queimadas não deveriam ocorrer anualmente e durante o auge da seca, por isso até as plantas mais adaptadas não escapam dos incêndios.

“As plantas são adaptadas a um regime de fogo e não ao fogo, ou seja, a capacidade de resposta dependerá do intervalo entre as queimadas, da época, das condições e em qual etapa de vida a planta se encontra”, completa Mercedes.

Estratégias de prevenção

Para reduzir o perigo na seca, os pesquisadores defendem proibir totalmente o uso do fogo neste período. Preparar aceiros (faixas de terreno onde a vegetação é removida para criar uma barreira contra a propagação de incêndios) e contar com equipes de brigadistas nas áreas protegidas também ajudam.

Maracahipes alerta, porém, que sem a contribuição da população, as ações não bastam. “Não há alternativa eficaz: na maioria das vezes, os incêndios dessa época são incontroláveis, mesmo para equipes treinadas e bem equipadas. Além de ameaçar a biodiversidade, os incêndios colocam em risco a vida dos profissionais que atuam no combate às chamas. Por isso, a prevenção é a estratégia mais segura e responsável”, conclui ele.

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