O Ministério dos Povos Indígenas pediu à OpenAI explicações sobre um concurso global organizado pela dona do ChatGPT para identificar sítios arqueológicos na Amazônia utilizando dados de código aberto. O governo brasileiro estaria “preocupado” com os efeitos da iniciativa. As informações são do jornal Folha de São Paulo.
Intitulado “OpenAI to Z Challenge”, o desafio foi lançado em maio deste ano e as inscrições terminaram em 29 de junho, mas a lista das cinco equipes finalistas ainda não foi divulgada. O nome faz referência à lenda da cidade perdida de Z, que acredita-se estar em algum lugar no Mato Grosso.
O mito foi tema de pesquisas do explorador britânico Percy Harrison Fawcett, que desapareceu com o filho e um amigo no Alto Xingu em uma expedição há cem anos. E a OpenAI aproveitou a data de aniversário da trágica aventura para lançar o concurso, com a distribuição de US$ 400 mil (R$ 2,4 milhões) em prêmios.
“Agora, pela primeira vez na história, qualquer pessoa pode realizar pesquisas arqueológicas. A união de coleções de código aberto de imagens de satélite, mapas arqueológicos e histórias indígenas cria uma trilha de retalhos, que leva à possibilidade de novas descobertas que preenchem as peças que faltam no quebra-cabeça”, diz a página do desafio.
Terra de ninguém?
A OpenAI sugere aos participantes que concentrem as buscas no bioma amazônico no norte da América do Sul, especialmente no Brasil, além dos arredores da Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela e Guiana Francesa.
O problema é que a empresa parece ter se esquecido de comunicar o desafio às autoridades que monitoram esse tipo de atividade. O governo brasileiro reforça que há uma série de normas regulamentando pesquisas arqueológicas — e quer saber quais foram os critérios metodológicos e jurídicos considerados no concurso.
Em um ofício enviado para a OpenAI, a secretária nacional de articulação e promoção de direitos indígenas, Giovana Mandulão, também pede que não sejam divulgados os mapas com a localização dos sítios arqueológicos até que haja um alinhamento com os órgãos competentes, segundo a Folha.
Ao jornal, a dona do ChatGPT disse que o desafio foi desenvolvido com apoio de acadêmicos com o objetivo de “colocar a pesquisa genuína” no centro do projeto, que os participantes usarão dados que já são públicos e que o trabalho não será usado para treinar modelos de IA. A empresa também prometeu manter o diálogo com as instituições e afirmou que vai continuar seguindo as leis brasileiras.
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Pesquisadores divididos
Logo após a divulgação do concurso, a Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB) publicou uma nota criticando a ausência de consulta a indígenas, quilombolas e povos tradicionais. E disse que a menção à cidade Z contribui para desinformação na região Amazônica.
“Realizar uma competição sem que haja concordância deles é altamente antiético”, disse a arqueóloga Bruna Cigaran da Rocha, vice-presidente da SAB, à Folha. “No Brasil, temos parâmetros que foram construídos com muito esforço sobre o patrimônio arqueológico e como ele deve ser estudado.”
O aval de populações locais está previsto em uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que garante aos indígenas a “consulta livre, prévia e informada” sobre pesquisas realizadas em seus territórios.
Já o Iphan acredita que o desafio pode gerar “efeitos práticos indesejáveis”, com o reconhecimento incorreto de sítios arqueológicos ou o acesso de pessoas não autorizadas à áreas já estudadas por arqueólogos.
Por outro lado, há pesquisadores que apoiam o desafio. À Folha, o arqueólogo Francisco Pugliese, do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, contou que se inscreveu no concurso com seu projeto desenvolvido no sudoeste amazônico.
“Essas novas tecnologias nos permitem articular muitos e muitos dados, abre um cenário de pesquisa fantástico”, diz ele, que defende consulta prévia aos indígenas. “Se não tomarmos as rédeas desse processo, serão os arqueólogos que fazem uma ciência predatória. É nosso papel mostrar que essas ferramentas devem ser usadas com ética”, afirmou.
O post OpenAI lança desafio na Amazônia e governo pede explicação apareceu primeiro em Olhar Digital.