Plantas que atrapalhavam o funcionamento de hidrelétricas devem se tornar fonte de energia graças a um projeto de pesquisadores brasileiros. Algas que cresciam em grandes volumes nos reservatórios e atrapalham o funcionamento das turbinas estão sendo aproveitadas como fonte de um biocombustível que funciona sem necessidade de adaptação por motores convencionais e pode alimentar até as termoelétricas.
A tecnologia, que já recebeu patentes no Brasil e nos Estados Unidos, foi desenvolvida por pesquisadores do Instituto Senai de Inovação (ISI) em Biomassa, em Mato Grosso do Sul. Ela transforma plantas aquáticas em biocombustível através de um processo chamado pirólise rápida, em que as plantas são queimadas a altíssimas temperaturas por poucos segundos, produzindo um óleo que é base para a fabricação de diesel.
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Como é feito o combustível de algas?
Segundo Paulo Renato dos Santos, pesquisador responsável pelo projeto, a tecnologia alia inovação à mitigação de impactos ambientais. O processo oferece alternativa energética renovável e pode reduzir prejuízos operacionais nas usinas. “Esse processo de altas temperaturas leva a uma decomposição térmica que permite a fabricação de um combustível funcional para qualquer motor a diesel”, explica o pesquisador do ISI.
A tecnologia foi batizada de Macrofuel em referência ao tipo de plantas usado no processo, as macrófitas. Ela está sendo testada nos reservatórios de usinas hidrelétricas de Jupiá, em Três Lagoas (MS), e de Ilha Solteira, em Selvíria (MS). O projeto teve início em 2019 e conta com apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).
A produção estimada média nos reservatórios pode atingir até 100 toneladas de massa fresca por ano, segundo Santos. O aproveitamento delas é necessário não só para aproveitar sua abundância nos reservatórios, mas justamente para conter os muitos problemas que elas causam.
“Essas plantas podem ocasionar obstruções mecânicas nas turbinas, causando entupimentos, redução de eficiência, podem alterar a vazão nas turbinas e ocasionar até o desligamento do sistema”, diz o pesquisador.
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Bio-oleo é retirado das plantas a partir de um rápido processo de queima
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As plantas passam por um processo rápido de queima, quase instantâneo, para a produção do óleo
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Algas são retiradas das hidrelétricas para produção do combustível
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Usos do subproduto produzido com as algas ainda está em discussão
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Usos para além do combustível
Testes em laboratórios certificados confirmaram que o óleo produzido com as algas atende às especificações da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e pode ser usado como combustível. Este, entretanto, não é o único uso já conhecido para o bio-óleo.
Há potencial para uso como carvão, em estado sólido, além de aplicações do óleo em fertilizantes, herbicidas e até em carvão ativo para sistemas de purificação de água. O ISI aponta que, com purificações, seria possível até obter monômeros para a produção de compostos ativos que têm função bactericida.
Apesar do avanço, a tecnologia acaba de ultrapassar as fases de prova de conceito e ainda teria que ser escalonada para que se avalie o custo benefício da sua produção. “Ainda temos muitos desafios para o desenvolvimento, como alto teor de água das plantas, coleta e logística, e aumento da eficiência dos processos de conversão a biocombustível”, explica Santos.
As próximas etapas do projeto envolvem o escalonamento para testes com a criação de unidades replicáveis em outras hidrelétricas do país. Santos também avalia que é preciso superar desafios técnicos relacionados à eficiência da produção de bio-óleo para maximizar seu rendimento como combustível ao ser queimado e concluir as análises regulatórias que permitiriam sua comercialização.
O projeto reflete um movimento mais amplo de busca por alternativas sustentáveis no setor elétrico. Se ampliado, pode transformar resíduos que antes representavam custo em fonte de energia limpa, alinhada à transição energética global.
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