O céu noturno nos conta histórias. Cada estrela, cada ponto cintilante, guarda consigo um enredo escrito em bilhões de anos. E, assim como na vida, onde as melhores histórias muitas vezes são contadas por nossos avós, no Cosmos também são as estrelas mais velhas que carregam os relatos mais preciosos. Para um astrônomo, não há lugar melhor para buscar por essas memórias do Universo do que nos aglomerados globulares.
Mesmo a olho nu, os céus já nos dão pistas de que nem tudo é o que parece. Algumas manchas difusas, meio borradas no escuro, intrigaram os primeiros observadores. O que seriam? Nebulosas tênues? Cometas preguiçosos? Hoje sabemos que esses borrões são verdadeiros tesouros escondidos: os aglomerados globulares, esferas perfeitas que concentram centenas de milhares ou até milhões de estrelas, comprimidas em um espaço apertado, como uma multidão num bloco de carnaval cósmico.
Mas as grandes distâncias que nos separam desses objetos compactos protegeram os aglomerados globulares da curiosidade humana. Ao menos até a invenção do telescópio. Em 1665, o astrônomo amador Johann Ihle apontou seu telescópio para uma mancha difusa na Constelação de Sagitário e percebeu que ela se desfazia em incontáveis pontos luminosos. Não era uma estrela e nem mesmo uma nuvem, mas um enxame estelar.
Mais tarde, no século XVIII, Charles Messier, o caçador de cometas mais famoso de seu tempo, registraria diversos desses “borrões inconvenientes” em seu catálogo. Sem a tecnologia para observar toda a beleza e riqueza desses objetos, Messier os via apenas como obstáculos que poderiam confundir os astrônomos em busca de cometas em nosso Sistema Solar.
A reviravolta nessa história veio no final do século XIX com o desenvolvimento da astrofotografia. Foi a partir dos primeiros registros fotográficos daquelas manchas que o que antes era apenas um borrão difuso, se revelou uma verdadeira joia cósmica de simetria e beleza impressionantes. As imagens mostravam esferas de estrelas tão densas que pareciam se fundir em seu centro, formando uma única chama contínua. Foi o início de um longo caso de amor da astronomia moderna pelos aglomerados globulares.
Mas afinal, o que são esses curiosos enxames?
Hoje sabemos que os aglomerados globulares são coleções com algumas centenas de milhares ou até mesmo milhões de estrelas, ligadas pela gravidade em uma dança cósmica quase tão antiga quanto o Universo. Geralmente, suas populações estelares têm mais de 10 bilhões de anos de idade, o que significa que são verdadeiras anciãs cósmicas, nascidas quando o Universo mal tinha deixado as fraldas.
Os aglomerados globulares observados na Via Láctea e em outras galáxias são compactos, tipicamente com algumas centenas de anos-luz de diâmetro. Eles podem ser localizados fora do disco galáctico, em uma região próxima chamada de halo. É como se fossem as joias da coroa da galáxia.
Ao contrário dos aglomerados abertos, como as Plêiades, que são jovens, disformes e logo se dispersam, os globulares são velhos, coesos e duradouros, e é por isso que eles têm tantas histórias para contar.
Eles nasceram junto com as primeiras fases das galáxias, nos primórdios do Universo. Provavelmente surgiram quando nuvens muito densas de gás colapsaram rapidamente, formando estrelas em massa. Por isso, os aglomerados globulares guardam a memória do ambiente em que a galáxia se formou. Estudá-los é como abrir um diário do Universo, escrito em linguagem estelar.
Eles nos mostram como eram as condições no início da formação da nossa galáxia. Suas estrelas mais antigas funcionam como “relógios cósmicos”: ao medir suas idades, os astrônomos conseguem estimar a idade mínima do Universo.
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Além disso, são verdadeiros laboratórios astronômicos. Dentro deles, os cientistas já descobriram buracos negros, pulsares de milissegundo, estrelas de nêutrons em sistemas binários e até candidatos a fontes de ondas gravitacionais — tudo isso em um espaço minúsculo, cósmicamente falando.
Eles também ajudam a mapear a distribuição da matéria escura. Como orbitam o centro da galáxia em trajetórias amplas, o movimento dos globulares revela a presença dessa massa invisível que molda nossa galáxia.
Alguns aglomerados globulares em nossa Via Láctea se tornaram grandes astros também para a astronomia amadora. M22, na constelação de Sagitário, provavelmente foi o primeiro a ser descoberto, ainda no século XVII. O mais impressionante da nossa galáxia, sem dúvida, é o Omega Centauri, tão grande e denso que parece ser o que sobrou do núcleo de uma pequena galáxia capturada pela nossa. Omega Centauri brilha tanto que pode ser visto a olho nu em céus escuros do hemisfério sul.
Outro gigante é 47 Tucanae, também visível a olho nu, próximo à Pequena Nuvem de Magalhães, uma visão espetacular para quem tem o privilégio de observar o céu austral. Sem falar de M13, o Grande Aglomerado de Hércules, o preferido pelos telescópios amadores do hemisfério norte.
Os que outrora eram apenas borrões preteridos por Messier, hoje são joias celestes que encantam astrônomos amadores e cientistas. Retratado por nossos melhores instrumentos, os aglomerados globulares servem como bibliotecas do Cosmos, guardando os segredos da infância do Universo, e ainda hoje continuam nos ensinando, mesmo depois de bilhões de anos.
Olhar para eles é como contemplar uma antiga obra de arte. Estudá-los é escutar as melhores histórias do Universo. Histórias que não se apagam com o tempo, mas que brilham, em silêncio, na imensidão do céu noturno.
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