No início deste mês, dois casais de micos-leões-dourados, vítimas de tráfico internacional, foram reintroduzidos na Mata Atlântica do Rio de Janeiro, único habitat natural da espécie no mundo. Os animais foram apreendidos em fevereiro de 2024, em condições críticas, dentro de um veleiro em Togo, na costa ocidental da África.
Casos como esse mostram que a reintrodução de animais silvestres exige planejamento e acompanhamento especializado. Segundo os especialistas ouvidos pelo Metrópoles, cada soltura demanda estudos minuciosos, desde a análise de saúde dos indivíduos até a avaliação do ambiente onde serão libertados.
“Muitos chegam debilitados, com sequelas físicas ou comportamentais, sem as habilidades necessárias para sobreviver em vida livre”, explica o biólogo Filipe Reis, coordenador de Biodiversidade do Instituto Ampara Animal.
Processo longo e cuidadoso
Os animais resgatados passam primeiro por triagem veterinária, tratamento de saúde e reabilitação nutricional. Em seguida, são submetidos a treinamentos para readquirir comportamentos essenciais, como forragear, caçar e reconhecer predadores. “Durante esse período, é fundamental evitar que eles associem o ser humano a fonte de alimento ou segurança”, afirma Reis.
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A chamada soltura branda é uma das estratégias mais usadas. Nela, os animais ficam em recintos próximos ao habitat natural de destino, com contato mínimo com humanos, mas já praticando comportamentos de sobrevivência. Muitas vezes, após a soltura definitiva, eles continuam recebendo suplementação alimentar até atingirem a independência completa.
A tenente Thays Gonçalves, do Batalhão Ambiental da Polícia Militar do Distrito Federal, destaca ainda a falta de informação sobre a origem de muitos animais apreendidos no tráfico.
“Se não sabemos o habitat de onde vieram, fica difícil encontrar um ambiente compatível. Além disso, nossas áreas verdes estão muito degradadas, e não são todos os lugares que oferecem condições adequadas para acolher esses animais”, esclarece.
Critérios para voltar à vida livre
Antes da soltura, cada indivíduo é submetido a exames para descartar doenças que possam ser transmitidas à fauna local. O comportamento também precisa ser avaliado, já que é necessário comprovar se o animal consegue se alimentar sozinho, encontrar abrigo, reconhecer predadores e interagir com outros da mesma espécie.
“Não se trata apenas de soltar no mato. É preciso verificar se o bioma é adequado e se aquele ambiente oferece recursos suficientes para a sobrevivência”, alerta a tenente.
Quem se adapta melhor?
O sucesso da reintrodução depende da espécie e do histórico do animal. Espécies chamadas generalistas — que se alimentam de diferentes recursos e se adaptam a variados habitats — costumam ter mais chances. “Aves como tucanos e gaviões, algumas serpentes não peçonhentas, tamanduás e jabutis tendem a responder bem ao processo”, exemplifica Thays.
Para Reis, outro fator importante é o tempo em cativeiro. “Animais adultos, que já tiveram experiência em vida livre, geralmente apresentam comportamentos de sobrevivência. Já os órfãos ou criados inteiramente em cativeiro representam maior desafio”, diz.
A reintrodução de tucanos na natureza depende da capacidade individual do animal de sobreviver e se adaptar ao ambiente
Consequências para o ecossistema
A reintrodução não beneficia apenas os indivíduos soltos, mas todo o ecossistema. Animais silvestres desempenham funções essenciais, como controle de populações, dispersão de sementes e manutenção da flora. “Ao reforçar populações, ajudamos a preservar a diversidade genética e reduzir o risco de extinção local”, explica Reis.
Mas o biólogo também alerta que, quando os critérios não são seguidos rigorosamente, as solturas podem trazer riscos, como disseminação de doenças e desequilíbrios ambientais. “Por isso, planejamento, monitoramento e ciência são indispensáveis para que a reintrodução seja um sucesso”, finaliza.
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