Por que colonizar Marte agora pode ser um erro monumental?

Nesta semana, o mundo voltou seus olhos para o céu quando a SpaceX realizou com sucesso o 10º Voo de Teste da Starship. O “excitante pouso na água” da nave gigante que Elon Musk sonha ver partindo rumo a Marte arrancou aplausos e trouxe à tona, mais uma vez, os planos ousados de colonização do Planeta Vermelho. Mas será que isso é realmente uma boa ideia? 

É claro que imaginar cidades humanas em outro planeta é empolgante, mas transformar esse sonho em realidade envolve superar desafios tão grandes que tentar apressar as coisas agora pode ser um grande erro!

[ “Pouso exitante na água” da Starship no final do seu 10º Voo de Teste – Créditos: SpaceX ]

Marte fascina a humanidade há séculos. Mesmo a olho nu, seu brilho avermelhado alimentava mitos e simbolismos. Para os romanos, era o deus da guerra; em outras culturas, associado ao fogo ou à masculinidade. Mas foi com o telescópio que Marte ganhou status de vizinho misterioso. No século XIX, a observação de supostos canais em sua superfície levou Percival Lowell a defender a existência de uma civilização alienígena no planeta. A ideia de vida em Marte inspirou a ficção e a ficção levou a ciência a estudar ainda mais o Planeta Vermelho, fazendo dele um alvo preferencial para nossas primeiras missões espaciais.

Entretanto, quando as sondas espaciais chegaram ao planeta, mostraram uma paisagem árida, fria e desoladora. Sem rios, oceanos ou florestas. Um ambiente totalmente estéril. A frustração foi grande, e o encanto por Marte se foi por um tempo. Mas, nas últimas décadas, a vida em Marte voltou a ser debatida, com a esperança de encontrar homenzinhos verdes no Planeta Vermelho foi substituída pela idéia de nós levarmos a vida para lá, fazendo dele uma espécie de planeta de “backup” caso algo dê errado aqui na Terra. Só que a colonização de Marte é um sonho muito distante e ainda existem inúmeros desafios para serem superados. 

[ Canais de Marte em desenho de Percival Lowell – Créditos: Percival Lowell ]

Para facilitar um pouco as coisas, vamos assumir que a nave que nos levará para lá (provavelmente a Starship) já está pronta, testada, segura e funcional. Mesmo assim, enviar seres humanos para Marte hoje poderia transformar esse sonho em uma tragédia.

O ambiente marciano é extremamente hostil à vida. Temperaturas que despencam a 120 graus negativos, uma atmosfera rarefeita e tóxica, radiação cósmica e tempestades de poeira que podem envolver todo o planeta. Sobreviver ali exige habitats fechados, proteção contra radiação, sistemas de suporte à vida e fornecimento constante de recursos básicos.

Entre esses recursos, talvez o mais difícil de resolver seja a alimentação. Manter humanos saudáveis requer muito mais do que batatas cultivadas em estufas improvisadas. Desculpe, Matt Damon, mas precisamos de proteínas, vitaminas, frutas, verduras e uma dieta variada que, ou seria produzida em Marte com tecnologia de ponta, ou teria de ser importada da Terra a custos astronômicos.

[ Panorama da Cratera Gusev registrado pela Spirit – Créditos: NASA/JPL ]

Outro problema é a energia. Nossa civilização consome muita energia elétrica e em Marte precisaríamos de ainda mais para manter habitats pressurizados, estufas, sistemas de aquecimento e máquinas funcionando. Mas o planeta não oferece petróleo, carvão ou hidrelétricas. Painéis solares seriam pouco eficientes e depender de energia nuclear significa levar reatores inteiros para lá.

E por sinal, a logística é um enorme desafio. Mandar qualquer coisa para Marte custa uma fortuna. Para enviar seu Tesla Roadster de 1300 kg em direção ao Planeta Vermelho, Elon Musk precisou de um foguete de 1420 toneladas, sendo grande parte disso apenas de combustível. Isso significa que se você pedir pelo aplicativo um combo promocional de hambúrguer com batata frita e refri, teria que gastar cerca de R$ 200 mil só de frete. Imagine para trazer as malas, seus cacarecos e ainda abastecer a dispensa!

[ Tesla Roadster de Elon Musk com a Terra ao fundo e o manequim “Spaceman” à caminho da órbita de Marte – Créditos SpaceX ]

A própria viagem até Marte já é um risco. Meses a bordo de uma nave expõem os astronautas a radiação solar e falta de gravidade, que leva à atrofia muscular, problemas de visão e outros problemas de saúde. E uma vez em Marte, os aspectos psicológicos se tornam críticos: isolamento, falta de contato com a Terra, ambientes claustrofóbicos e… pior de tudo: sem internet! Agora imagine acrescentar bebês e crianças a esse cenário! Podemos até aceitar os corajosos desbravadores que arriscariam suas vidas para conquistar o Planeta Vermelho, mas a colonização envolve geração de filhos, que viriam ao mundo em outro mundo, expostos a um ambiente extremamente hostil e sem direito a escolha!

Mas é claro que, onde tem problema, tem cientista buscando solução. Projetos como o Kilopower, da NASA, pretendem criar pequenos reatores nucleares para fornecer energia a bases em Marte ou na Lua. Há também planos para construir habitats utilizando robôs que aproveitem o regolito marciano como matéria-prima para nos proteger contra radiação.

Na agricultura, já se pensa em levar sementes adaptáveis e até larvas de peixes para iniciar cadeias alimentares controladas. E, na questão do transporte, o plano é construir uma base na Lua com capacidade de produção de combustível para abastecer nossos foguetes e servir de entreposto no caminho de Marte. Logicamente, essa ideia enfrentaria todos esses mesmos problemas anteriores, só que bem mais perto de casa.

E, claro, não podemos esquecer da ideia de terraformação — transformar Marte em um planeta mais parecido com a Terra. Nesta semana, Elon Musk usou uma camisa que sugere explodir bombas nucleares no Planeta Vermelho para vaporizar as calotas polares e aquecer sua atmosfera, tornando o ambiente um pouco mais agradável aos humanos. Parece roteiro de ficção científica… e é mesmo. Mesmo que funcionasse em um primeiro momento, Marte não tem um campo magnético para proteger a atmosfera, então, os gases liberados pelas explosões seriam rapidamente perdidos para o espaço e o calor, dissipado. 

A verdade é que Marte não foi feito para os humanos e não há nada que justifique querer habitá-lo, por enquanto. Nem mesmo a ideia de ter um planeta de “backup da Terra”. Hoje parece muito mais fácil evitar o apocalipse climático, uma guerra nuclear e criar tecnologias que protejam a humanidade de impactos de asteroides e pandemias devastadoras, do que criar um ambiente minimamente habitável em Marte. 

Diante de tudo isso, podemos concluir que visitar Marte já será um enorme desafio para as próximas décadas. Mas querer colonizá-lo agora seria, de fato, um erro monumental. Apressar esse sonho pode transformá-lo em um pesadelo: basta imaginar uma falha grave colocando em risco centenas de vidas, sem qualquer possibilidade de resgate ou ajuda vinda da Terra.

[ Colônia humana idealizada por Elon Musk – Créditos: SpaceX ]

Colonizar Marte é possível, sim — mas como projeto de longo prazo. Exige avanços gigantescos em tecnologia, medicina, agricultura e, acima de tudo, tempo. Se soubermos usar nossa criatividade e nossa vontade de explorar o Cosmos para cuidar primeiro da Terra, garantindo a nossa existência, teremos tempo de sobra para conquistar outros mundos no futuro. Quando enfim, Marte se tornar um planeta habitado, será habitado por humanos que sabem voar alto sem tirar os pés do chão!

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