Uma equipe internacional de cientistas pesquisou quais equipamentos em operação no espaço podem ter as melhores chances de investigar o cometa 3I/ATLAS enquanto ele se aproxima do Sol. Estima-se que o objeto, que é apenas o terceiro visitante interestelar detectado no Sistema Solar, atingirá o periélio – sua menor distância da estrela – em 29 de outubro.
Descoberto em 1º de julho pelo Sistema de Alerta de Impacto Terrestre de Asteroide (ATLAS), esse forasteiro cósmico representa uma chance rara de observar material originado em outro sistema estelar. Antes dele, apenas dois objetos vindos de fora foram identificados: o asteroide ‘Oumuamua, em 2017, e o cometa Borisov, em 2019.
Em resumo:
O cometa 3I/ATLAS é apenas o terceiro visitante interestelar já visto no Sistema Solar;
Ele pode ter se originado de uma região antiga da Via Láctea;
Se confirmado, esse objeto teria 7 bilhões de anos, sendo mais velho que o Sistema Solar;
Em outubro, ele vai atingir o ponto mais próximo do Sol (periélio);
Na ocasião, ficará invisível da Terra;
Observações dependerão de sondas posicionadas em regiões estratégicas;
Se alguma conseguir coletar amostras, o material revelaria registros únicos sobre a formação da galáxia;
O cometa também pode soltar fragmentos que gerariam chuvas de meteoros na Terra e em Marte;
Ele representa uma oportunidade única de explorar memórias cósmicas preservadas por bilhões de anos.
Imagem do 3I/ATLAS obtida pelo VLT em 23 de agosto de 2025. Análises de sua composição mostraram abundância de dióxido de carbono e presença de níquel atômico. Crédito: ESO / Very Large Telescope / T. Puzia
Um estudo anterior sugere que o 3I/ATLAS pode ter origem no “disco espesso” da Via Láctea, uma região mais antiga e inflada da galáxia, povoada por estrelas velhas. Se isso se confirmar, o cometa teria cerca de 7 bilhões de anos – bem mais antigo que o próprio Sistema Solar. Assim, ele pode carregar registros de processos cósmicos que antecedem a formação da Terra e dos planetas que conhecemos.
Terra não conseguirá ver o cometa durante o periélio
Como qualquer cometa, o 3I/ATLAS libera gases e poeira ao se aproximar do Sol. O calor solar aquece o gelo em seu núcleo, transformando-o em vapor e formando a cauda e a coma, a nuvem difusa ao redor do núcleo. Esse comportamento, embora fascinante, acaba dificultando as observações, já que o cometa se torna um alvo instável e mutável.
O maior desafio será acompanhar o objeto durante o periélio. Segundo a pesquisa, descrita em um artigo disponível no servidor de pré-impressão arXiv, onde aguarda revisão de pares, o 3I/ATLAS estará escondido atrás do Sol quando visto da Terra na ocasião. Isso significa que telescópios terrestres e até mesmo observatórios em órbita terrestre, como o James Webb e o Hubble, não terão acesso a ele justamente no período mais revelador.
“Precisaríamos olhar através ou além do Sol para observar o objeto, o que é impossível devido ao brilho da estrela”, explicou o coautor do estudo Andreas M. Hein, da Universidade de Luxemburgo, em entrevista ao site Space.com. Segundo ele, a luminosidade intensa do Sol ofuscará qualquer tentativa de detecção a partir do nosso planeta.
Para contornar essa limitação, a equipe liderada por Thomas Marshall Eubanks, cientista-chefe da startup Space Initiatives Inc., sediada na Flórida, EUA, buscou descobrir quais espaçonaves poderiam acompanhar o cometa de pontos estratégicos do Sistema Solar.
Representação artística da sonda Psyche, da NASA, na órbita do asteroide 16-Psyche. Ela é uma das espaçonaves que chegará mais perto do cometa 3I/ATLAS. Crédito: buradaki – Shutterstock
Entre as candidatas, duas missões se destacam: a sonda Psyche, da NASA, e a JUICE, da Agência Espacial Europeia (ESA). A primeira segue rumo à rocha rica em metais 16 Psyche, localizada no cinturão principal de asteroides, entre Marte e Júpiter. A outra, que recentemente sobrevoou Vênus para ganhar velocidade extra, está em rota para Júpiter e terá uma posição privilegiada no fim de outubro.
“Graças à assistência gravitacional em Vênus, a JUICE estará estrategicamente posicionada durante o periélio do 3I/ATLAS, quando observações da Terra serão inviáveis”, explicou Eubanks. Essa configuração torna a missão da ESA uma das principais apostas para coletar dados relevantes.
Além delas, sondas que orbitam Marte também podem ajudar. Entre elas estão a Mars Reconnaissance Orbiter (MRO), da NASA, a Tianwen-1, da China, e a Hope, dos Emirados Árabes Unidos.
Todas as espaçonaves mencionadas estarão muito mais próximas do 3I/ATLAS do que o cometa jamais chegará à Terra, com a JUICE oferecendo a contribuição mais crítica. Segundo os cálculos, a Psyche passará a cerca de 45 milhões de km do visitante interestelar, enquanto a JUICE estará a 68 milhões de km. Para comparação, a distância mínima do cometa em relação ao nosso planeta será de 269 milhões de km, em dezembro.
Coletar material pode confirmar origem do visitante interestelar
O objeto também passará pelo campo de visão do Observatório Solar e Heliosférico (SOHO), operado em parceria pela ESA e a NASA, assim como da Sonda Solar Parker e da missão PUNCH, ambas norte-americanas. No entanto, seus instrumentosforam projetados para monitorar o Sol, o que significa menor resolução para observar o corpo interestelar.
Nem todas as missões conseguirão contribuir de forma direta. Sondas como a Europa Clipper, a Hera e a Lucy estarão em posições desfavoráveis, sendo prejudicadas pelo Sol. Mesmo assim, existe a chance de que alguma delas atravesse ou se aproxime da cauda do 3I/ATLAS, podendo até coletar partículas ou fornecer outro tipo de dado científico.
Esse tipo de interação depende do desenvolvimento da cauda, que pode se estender por milhões de quilômetros. Caso alguma nave consiga interceptá-la, técnicas como espectroscopia de massa poderiam revelar a composição detalhada do cometa. Isso ajudaria a confirmar se ele realmente veio do disco espesso da galáxia.
A importância desse esforço está em compreender um pedaço do Universo que nunca tivemos a oportunidade de estudar de perto. “Se o 3I/ATLAS for mesmo um objeto do disco espesso, poderemos aprender sobre uma região da galáxia que jamais visitaríamos em um futuro próximo”, destacou Hein, comparando a situação ao ditado popular: “se Maomé não vai à montanha, a montanha vem a Maomé”.
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Observatório Vera C. Rubin pode descobrir outros “forasteiros”
Eubanks reforça a raridade da ocasião. Quase tudo no Sistema Solar foi formado há 4,6 bilhões de anos, enquanto o cometa pode trazer informações de quase três bilhões de anos antes disso. “É a chance de estudar o ‘meio-dia cósmico’, um período de intensa formação estelar, mas em escala local e não a bilhões de anos-luz de distância”.
Segundo a equipe, o recém-inaugurado Observatório Vera C. Rubin, no Chile, que já capturou imagens do cometa, deve desempenhar papel crucial na detecção de outros visitantes interestelares ao longo de sua missão de mapear detalhadamente o céu.
Imagem do cometa interestelar 3I/ATLAS capturada pelo Observatório Vera C. Rubin. Crédito: Chandler et al.
Outro aspecto intrigante destacado no estudo é que o 3I/ATLAS pode deixar fragmentos pelo caminho quando for embora do Sistema Solar. Hein sugere que parte do material pode se transformar em chuvas de meteoros em Marte ou na Terra, caso as partículas cruzem ocasionalmente as órbitas desses planetas. Ele acredita que até mesmo pedaços maiores poderiam ser detectados futuramente.
Para os astrônomos, os próximos meses prometem ser intensos. Cada nova observação do 3I/ATLAS pode trazer pistas sobre sua origem, composição e história. E, com sorte, ajudar a responder perguntas fundamentais sobre como diferentes regiões da galáxia moldaram o Universo em que vivemos.
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