Um estudo feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) apontou que adoçantes podem acelerar o declínio cognitivo em adultos. O trabalho, publicado na revista científica Neurology nessa quarta-feira (3/9), indica que o uso das substâncias aumenta os sinais da demência em até 62%, com impacto ainda maior na capacidade de fala.
O estudo acompanhou 12.772 servidores públicos brasileiros por oito anos. Os cientistas observaram neles o nível de consumo de sete adoçantes de baixa ou nenhuma caloria e a da perda de funções cognitivas. Entre eles estavam aspartame, sacarina, acessulfame-K, eritritol, xilitol, sorbitol e tagatose. Apenas a tagatose não foi associada ao problema.
Os resultados mostraram que o grupo de participantes com maior consumo apresentou uma taxa 62% maior declínio cognitivo global e 173% maior de declínio da fluência verbal. Os maiores consumidores também tiveram uma taxa de declínio de memória 32% mais alta que os demais. O efeito foi observado principalmente em pessoas com menos de 60 anos.
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Principais adoçantes usados nos produtos
Os adoçantes podem ser artificiais ou naturais.
Entre os artificiais, os mais comuns são aspartame, sucralose e sacarina, conhecidos por serem intensamente doces e sem calorias.
Alguns estudos indicam que o consumo excessivo de adoçantes pode afetar a microbiota intestinal e estimular o desejo por doces.
Entre os naturais, os mais populares são estevia, eritritol e xilitol. Extraídos de fontes vegetais, eles são geralmente considerados mais seguros.
No entanto, em grandes quantidades, podem causar desconfortos gastrointestinais, como gases, dor abdominal e diarreia.
Como o estudo foi conduzido?
A pesquisa utilizou dados do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto, iniciado em 2008. Os participantes tinham 35 anos ou mais e responderam questionários sobre alimentação, além de realizar testes de memória e raciocínio.
A análise considerou variáveis como idade, sexo, renda, estilo de vida e condições clínicas, incluindo diabetes. Mesmo após os ajustes de quedas de desempenho que eram esperadas no envelhecimento, a associação entre uso de adoçantes e perda cognitiva permaneceu significativa.
O consumo médio de adoçantes relatado foi de 92 mg por dia. Os voluntários foram divididos em três grupos, de alto consumo, médio e baixo. O consumo médio também teve alta na manifestação do declínio cognitivo geral de 35% ao ser comparado com o uso baixo das substâncias.
Os adoçantes podem ser artificiais ou naturais
Como o adoçante pode levar à demência?
Os pesquisadores da USP levantaram hipóteses para explicar os resultados. Estudos em animais sugerem que adoçantes podem ser metabolizados em compostos neurotóxicos, capazes de gerar inflamação no cérebro e acelerar a perda de funções cognitivas.
Outra possibilidade é a alteração da microbiota intestinal. Mudanças no equilíbrio dos microrganismos do intestino poderiam afetar o metabolismo da glicose e comprometer a barreira hematoencefálica, que protege o sistema nervoso.
Apesar das evidências, os autores ressaltam que se trata de um estudo observacional. Isso significa que não é possível afirmar causa direta, mas apenas uma associação estatística robusta.
Repercussões e limites
“Eu mesma adoçava meu café com adoçante e gosto de refrigerante zero. Meu interesse em saber os impactos deste uso também era pessoal. Descobrimos, porém, que o consumo de adoçantes acelera o declínio cognitivo. Já tínhamos evidências sugerindo que eles poderiam ser prejudiciais, [estando] relacionados às doenças cardiovasculares e câncer, e agora temos mais uma relacionada à cognição. Acho que essa é a mensagem”, afirmou a médica Claudia Kimie Suemoto, coordenadora do Laboratório de Envelhecimento da USP e autora principal do estudo ao Jornal da USP.
Ela destacou, porém, limitações da pesquisa, como o fato de os dados alimentares terem sido autorrelatados pelos voluntários. Isso pode levar a distorções, embora o questionário utilizado seja validado em estudos internacionais.
Outro limite da pesquisa é a ausência da avaliação da sucralose. Embora seja bastante popular atualmente, o adoçante não estava entre os mais consumidos no Brasil no início do estudo, em 2008.
Além disso, muitos dos usuários mais ativos de adoçantes são pessoas com diabetes e a doença em si pode levar ao declínio cognitivo. “Quem tem diabetes já tem indicação de tomar adoçante. Ao mesmo tempo, a doença é um fator de risco conhecido para declínio cognitivo”, observa a professora ao Jornal da USP, enfatizando a complexidade da relação.
O que está em jogo?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou, em 2023, uma diretriz que recomenda não usar adoçantes artificiais para controle de peso ou prevenção de doenças crônicas.
Especialistas lembram que esses aditivos são parte do grupo de ultraprocessados, alimentos ligados a problemas metabólicos e cognitivos em estudos anteriores.
No Brasil, os resultados fortalecem o debate sobre a necessidade de maior transparência na rotulagem, já que a quantidade exata de adoçantes nos produtos nem sempre está disponível.
Segundo os autores da nova pesquisa, adultos de meia-idade são os mais vulneráveis aos efeitos negativos. Isso significa que decisões de consumo ao longo da vida podem ter impacto no envelhecimento cerebral. Eles defendem a realização de ensaios clínicos para confirmar os achados em condições mais controladas e também sugerem investigações específicas sobre a sucralose.
Enquanto isso, especialistas recomendam reduzir o consumo de adoçantes artificiais e buscar alternativas como mel e xarope de bordo, embora também exijam cautela em relação às quantidades.
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