O tráfico de animais silvestres é um problema ambiental e de segurança pública que movimenta milhões de reais por ano no Brasil. Além de ameaçar a biodiversidade e alimentar redes criminosas, a prática também representa risco à saúde, ao facilitar a disseminação de zoonoses — doenças transmitidas de animais para humanos.
Segundo o biólogo Filipe Reis, coordenador de Biodiversidade do Instituto Ampara Animal, o contato direto e desprotegido entre pessoas e animais capturados abre espaço para infecções.
“O estresse da captura, transporte e manutenção inadequada pode enfraquecer o sistema imunológico dos animais, favorecendo o surgimento de doenças que antes estavam controladas e não apresentavam sintomas. Além disso, o deslocamento para novas regiões amplia o risco de disseminação de patógenos tanto para humanos quanto para a fauna local”, explica.
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A médica veterinária Juliana Junqueira, coordenadora da Coordenação de Conservação de Fauna e da Biodiversidade (Cobio), reforça que o tráfico cria situações artificiais de contato entre espécies que jamais dividiriam o mesmo espaço na natureza. “Esse cenário favorece tanto o surgimento de novos ciclos de transmissão quanto a exposição de hospedeiros suscetíveis a patógenos já conhecidos”, diz.
Ela lembra ainda que doenças leves em humanos podem ser fatais para animais silvestres. “O vírus herpes simplex tipo 1, associado a lesões orofaciais benignas em pessoas, pode desencadear quadros agudos e fulminantes em primatas neotropicais, como os saguis”, aponta.
Principais zoonoses associadas ao tráfico
Entre as doenças ligadas ao comércio ilegal de fauna estão a raiva, a psitacose (transmitida por aves), a salmonella, a leptospirose e a tuberculose. Vírus como o da influenza aviária, retrovírus e arboviroses, como o vírus do Nilo Ocidental, também representam ameaça às pessoas.
“Ao intensificar o contato entre espécies, o tráfico aumenta a chance de surtos ou até pandemias. Muitos microrganismos que não causam impacto em seus hospedeiros naturais podem gerar doenças graves em humanos, contra as quais nosso sistema imunológico não está preparado”, alerta Filipe Reis.
Além dos riscos à saúde pública, há impacto direto na conservação. “Patógenos como bornavírus e circovírus, por exemplo, comprometem populações inteiras de aves, revelando que o tráfico ameaça tanto a fauna quanto as pessoas”, acrescenta Juliana.
O tráfico de animais tem impacto direto na conservação ambiental e saúde pública
O que pode ser feito para reduzir os riscos?
Os especialistas defendem que a prevenção começa pela conscientização da sociedade. “É preciso substituir a visão de posse de animais silvestres pela valorização da vida livre. Quando diminui o desejo de tê-los como pets, o mercado ilegal perde força”, afirma a médica veterinária.
Juliana destaca também a importância da fiscalização e da destinação adequada dos animais apreendidos. Centros especializados podem garantir quarentena, triagem sanitária e protocolos de biossegurança que reduzem a disseminação de patógenos.
Já o biólogo lembra que o papel do poder público é central. “As autoridades sanitárias e ambientais precisam garantir que o manejo de animais seja ético e científico, com quarentenas, vacinação, monitoramento constante e aplicação de penas efetivas contra infratores”, afirma Filipe Reis.
Conscientização é essencial
Para a tenente Thays Gonçalves, do Batalhão Ambiental da Polícia Militar do Distrito Federal, o combate ao tráfico também depende do engajamento da população.
“Muitas pessoas acham normal ter macacos ou aves em casa porque parecem fofos, mas isso alimenta o comércio ilegal. Quando mostramos que esses animais não foram feitos para viver fora da natureza e que essa prática traz riscos para a saúde, conseguimos reduzir a demanda”, explica.
Ela ressalta ainda que a denúncia é fundamental. “Quanto mais a população participa, mais conseguimos enfraquecer o mercado, ampliar operações de repressão e fortalecer a cultura de proteção ao meio ambiente”, finaliza.
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