Recriar animais pré-históricos exige mais do que habilidade artística. A paleoarte — arte que recria a vida pré-histórica com base em evidências científicas — combina ciência e criatividade para transformar fósseis em representações visuais detalhadas, permitindo compreender melhor a anatomia, postura e características dos animais pré-históricos.
O processo envolve análise de ossos e estruturas musculares, estudo do ambiente em que o animal vivia e interpretação de dados geológicos e climáticos. Cada detalhe, desde o tamanho e a posição dos ossos até a forma como os músculos se conectam, é avaliado para garantir que a reconstrução seja o mais precisa possível.
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Além da anatomia, os paleoartistas analisam comportamentos prováveis e características externas, como pele, pelos ou penas, usando como referência animais vivos com hábitos semelhantes. Esses elementos ajudam a criar uma imagem mais completa e plausível do animal em seu ambiente natural.
Ilustração de animais pré-históricos
Rodolfo Nogueira, graduado em desenho industrial, paleontólogo e paleoartista de Uberaba (MG), explica que o processo de ilustração começa pela reconstrução do esqueleto, que funciona como a base de toda a obra. Essa etapa é essencial porque a estrutura determina proporções, postura e o encaixe correto dos músculos e articulações, garantindo que a representação seja fiel.
“O primeiro passo é montar o esqueleto completo em 3D no computador ou fazer um esboço com as medidas de cada elemento. Se o exemplar em questão não tiver o esqueleto completo — o que é o mais comum — deve-se buscar fósseis de espécies aparentadas que preservaram as partes faltantes e, assim, reconstruir o esqueleto em posição de vida”, explica Nogueira.
Com a estrutura óssea definida, o paleoartista adiciona músculos, pele, texturas e padrões externos. Como os fósseis raramente preservam todos os detalhes, algumas escolhas precisam ser feitas com base em comparação com animais vivos e em princípios biológicos.
“Quando comparamos o que restou dos fósseis e dos parentes próximos que preservaram estruturas faltantes a organismos modernos que vivem em condições semelhantes, podemos encontrar pistas sobre hábitos de vida e padrões de comportamentos aplicáveis à reconstrução”, detalha.
Mesmo sendo um trabalho científico, ainda existem lacunas. Os ossos não registram cores, cobertura corporal ou comportamentos, e certos detalhes anatômicos, como dobras de pele ou musculatura exata, precisam ser interpretados. Quanto mais informações houver sobre o fóssil e seu ambiente, menor a margem de interpretação e menos licença artística.
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A base de toda ilustração pré-histórica é o esqueleto. Ele define proporções e postura antes da adição de músculos, pele e detalhes externos
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O artista usa pistas de fósseis e animais modernos para definir coberturas corporais, padrões de pele ou penas e cores prováveis
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Com base em ossos e comparação com espécies atuais, os músculos são posicionados para simular movimentos e comportamentos plausíveis do animal
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Softwares de animação permitem testar diferentes ângulos e movimentos, ajudando a criar representações dinâmicas e detalhadas do animal
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O resultado combina ciência e arte: uma imagem informativa e visualmente atraente que aproxima o público do passado pré-histórico
Rodolfo Nogueira/acervo pessoal/Divulgação)
Felipe Alves, paleoartista do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), reforça que essas reconstruções ajudam o público a entender fósseis fragmentados e a corrigir estereótipos. Ele também destaca a diferença entre paleoarte e imagens de dinossauros em filmes e séries.
“As representações midiáticas dos dinossauros não têm o mesmo propósito de retratar conhecimento acurado sobre fósseis, e por isso assumem liberdades estéticas para atingir aspectos mais emocionais do público. Nós não as consideramos paleoarte, e damos a elas outra denominação — paleoimageria”, explica Alves.
Ferramentas digitais na ilustração de animais pré-históricos
Nos últimos anos, softwares de modelagem 3D e inteligência artificial passaram a integrar o processo de ilustração de animais pré-históricos. Esses recursos ampliam as possibilidades do trabalho sem alterar a essência científica da paleoarte.
Nogueira ensina que a tecnologia permite materializar ideias de forma mais prática e precisa. Com softwares de modelagem, é possível reconstruir esqueletos em 3D, posicionar músculos e articulações e testar diferentes posturas antes de adicionar pele, texturas e cores.
“A tecnologia nos oferece ferramentas para materializar as imagens que temos em mente e torná-las visíveis para outras pessoas. Conseguimos reconstruir um animal extinto de forma científica, bela e informativa, apenas com carvão. Da mesma forma, um software permite acrescentar cores, texturas e detalhes sem a necessidade de esperar a tinta secar, além de possibilitar desfazer erros com um simples ‘Ctrl+Z’”, detalha Nogueira.
Além disso, softwares de animação permitem simular movimentos e testar diferentes iluminações e ângulos de visualização, o que ajuda a criar representações mais realistas e dinâmicas. Mesmo ao produzir esculturas digitais ou modelos articulados, a tecnologia agiliza ajustes que seriam muito trabalhosos manualmente.
Alves também destaca que a tecnologia deve sempre servir à ciência e à narrativa da paleoarte. “É uma combinação entre ambas, mas a ciência é quem conduz a narrativa. A arte assume o papel de trazer as melhores soluções para transformar o conhecimento científico em uma linguagem acessível a todos”, afirma.
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