No início de setembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) atualizou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), plataforma que registra a movimentação de medicamentos em farmácias. A partir dessa mudança, antibióticos prescritos por enfermeiros passaram a poder ser inseridos no sistema, desde que esses profissionais estejam registrados nos Conselhos Regionais de Enfermagem (Coren) e amparados por protocolos legais já previstos em normas do Ministério da Saúde.
A alteração, no entanto, não autoriza a prescrição de substâncias sob controle especial, como entorpecentes, psicotrópicos, imunossupressores e derivados de anfetaminas, que seguem restritos à categoria médica.
Divergência entre os conselhos
O Conselho Federal de Medicina (CFM) defende que a prescrição de antibióticos é ato exclusivo de médicos, previsto na Lei nº 12.842/2013.
Para a entidade, a liberação amplia o risco de uso inadequado e pode contribuir para o avanço da resistência bacteriana, um dos maiores desafios de saúde pública no mundo.
Já a Associação Médica Brasileira (AMB) reforça que o diagnóstico de infecções e a indicação do tratamento exigem formação aprofundada em clínica médica, o que não faria parte da formação de enfermeiros.
Na outra ponta, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) sustenta que a prescrição por enfermeiros já é regulamentada desde a Lei nº 7.498/1986 e reforçada pela Política Nacional de Atenção Básica (Portaria 2.436/2017). Segundo a categoria, o que ocorreu agora foi apenas uma adequação técnica no sistema da Anvisa, garantindo segurança jurídica para que farmácias aceitem receitas emitidas por enfermeiros.
Enfermeiros podem prescrever antibióticos? Foto: FreePik
Impacto para a saúde pública
Para os representantes da enfermagem, a medida pode ter efeito positivo principalmente em regiões onde há escassez de médicos, como áreas remotas e periferias urbanas.
Em unidades básicas de saúde, os enfermeiros já atuam em programas de prevenção e controle de doenças, inclusive no enfrentamento de infecções sexualmente transmissíveis.
A possibilidade de prescrever antibióticos dentro de protocolos estabelecidos seria, portanto, uma forma de ampliar o acesso da população ao tratamento.
Um dos principais argumentos contrários à medida é o risco de prescrição inadequada de antibióticos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já alertou que o uso incorreto desses medicamentos acelera o surgimento de bactérias resistentes, reduzindo a eficácia dos tratamentos disponíveis.
O Brasil, que está entre os países com maior consumo de antimicrobianos, enfrenta esse desafio crescente, o que torna o debate ainda mais delicado.
O próximo capítulo
A disputa entre CFM e Cofen pode chegar à esfera judicial. Enquanto os médicos pedem a revogação da norma junto à Anvisa, os enfermeiros defendem que a inclusão no SNGPC é apenas o reconhecimento de uma prática já regulamentada. No centro da polêmica está a busca por um equilíbrio entre garantir acesso rápido da população a antibióticos e assegurar que o uso seja feito de forma criteriosa, evitando riscos coletivos.
Resumo:
A autorização para que prescrições de antibióticos feitas por enfermeiros sejam aceitas no sistema da Anvisa dividiu entidades médicas e de enfermagem. De um lado, o CFM alerta para riscos de resistência bacteriana; do outro, o Cofen defende a medida como avanço para ampliar o acesso da população. O debate agora envolve segurança do paciente, autonomia profissional e futuro da saúde pública no país.
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