Pesquisadores brasileiros criaram um mel com sabor de chocolate a partir de um experimento com mel de abelhas nativas e casca da amêndoa do cacau, parte normalmente descartável na fabricação de derivados do chocolate. Os especialistas avaliam o produto como uma inovação versátil, que poderá ser consumida diretamente ou usada como ingrediente em indústrias de alimentos e cosméticos.
O estudo sobre o produto foi liderado por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior de São Paulo, e publicado na revista científica ACS Sustainable Chemistry & Engineering, em agosto.
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A utilização do mel como solvente natural comestível ajudou na extração de compostos das cascas da amêndoa do cacau, como a teobromina e a cafeína. O processo também contou com a extração assistida por ultrassom, técnica que auxiliou na adição de compostos fenólicos à composição do produto, tornando-o antioxidante e anti-inflamatório.
Segundo os pesquisadores, o sabor mais característico do produto é o do chocolate, dependendo da proporção de cada ingrediente envolvido na mistura. Mais testes sobre o gosto e características sensoriais serão realizados pela equipe futuramente.
“Claro que o apelo maior para o público é o sabor, mas nossas análises mostraram que ele tem uma quantidade de compostos bioativos que o torna bastante interessante do ponto de vista nutricional e cosmético”, destaca o autor principal do estudo, Felipe Sanchez Bragagnolo, pós-doutorando da Unicamp, em comunicado.
Cascas das amêndoas do cacau são usadas para a fabricação de mel sabor chocolate
Produto com biodiversidade brasileira
Por ter menos viscosidade e maior teor de água, o mel das abelhas brasileiras foi escolhido ao invés das abelhas-europeias (Apis mellifera). Essas características tornam os produtos nativos candidatos mais adequados para serem utilizados como solvente sustentável na extração das cascas e nutrientes.
Ao todo, foram testados méis de cinco espécies típicas brasileiras: borá (Tetragona clavipes), jataí (Tetragonisca angustula), mandaçaia (Melipona quadrifasciata), mandaguari (Scaptotrigona postica) e moça-branca (Frieseomelitta varia).
A Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati) de São José do Rio Preto (SP) cedeu as cascas de cacau usadas nos testes.
As abelhas da espécie mandaçaia foram testadas na produção do mel sabor chocolate
Por ter maior teor de água e viscosidade mais próxima do ideal, o mel da mandaguari foi apontado como o mais adequado para o processo no início dos experimentos. No entanto, outros méis também foram analisados em amostras.
Bragagnolo explica que o mel é um ingrediente bastante influenciado por eventos externos, como temperatura e armazenamento. “É possível adaptar o processo ao mel que estiver disponível localmente, não necessariamente o da mandaguari”, diz o pesquisador.
Técnica sustentável
A extração assistida por ultrassom é um método que utiliza uma sonda. Quando o aparelho semelhante a uma caneta é colocado no recipiente com o mel e as cascas, ondas sonoras ajudam na extração dos compostos das cascas do cacau para o solvente (mel), formando o produto com sabor chocolate.
Além de eficiente, a técnica é considerada sustentável. A classificação é baseada no software Path2Green, método desenvolvido por um grupo de pesquisadores da Unicamp. A ferramenta avalia a concordância da técnica com 12 princípios da química verde e a classifica de -1 a +1. Pelo processo utilizar solvente comestível, nativo e pronto para uso, o produto alcançou + 0.118.
“Numa cooperativa ou pequena indústria que já trabalhe tanto com o cacau quanto com o mel de abelhas nativas, seria possível aumentar o portfólio com um produto de valor agregado inclusive para a alta gastronomia”, afirma o coautor do artigo, Mauricio Ariel Rostagno.
Novos testes serão realizados futuramente para avaliar como a técnica com ultrassom impacta a microbiologia do mel. Atualmente, os pesquisadores buscam interessados em licenciar o processo e disponibilizá-lo no mercado.
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