Uma equipe internacional de astrônomos identificou 164 estruturas em forma de anel espalhadas pelo plano da Via Láctea durante um levantamento com a rede de radiotelescópios MeerKAT, na África do Sul.
O trabalho, publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society (MNRAS), descreve como observações em 1,3 GHz atravessam a poeira interestelar e revelam objetos invisíveis a telescópios ópticos. O objetivo é entender como essas estruturas surgem, o que elas contam sobre a evolução de estrelas e por que tantos exemplos permaneceram fora dos catálogos até agora.
Sobre os anéis de rádio na Via Láctea:
Foram identificados 164 anéis em dados do MeerKAT durante um levantamento do plano galáctico;
Parte dos anéis tem fontes no infravermelho no centro, enquanto outros aparecem apenas no rádio;
As origens apontam para diferentes estágios de evolução estelar e eventos explosivos;
Há casos com explicações mais exóticas, como lentes gravitacionais ou objetos raros;
Classificações provisórias foram sugeridas, mas a confirmação depende de novas observações.
Sensibilidade do MeerKAT captura anéis apagados para a visão óptica
O MeerKAT é um conjunto de 64 antenas distribuídas por cerca de oito quilômetros no deserto sul-africano. Diferentemente da luz visível, as ondas de rádio atravessam regiões densas de poeira interestelar, permitindo aos astrônomos enxergar o que antes ficava apagado no “fundo” da galáxia. Foi essa sensibilidade a estruturas sutis que trouxe à tona os anéis recém-registrados.
Antenas da rede de radiotelescópios MeerKAT na região de Karoo, na África do Sul. Crédito: Observatório de Radioastronomia da África do Sul © SARAO
O catálogo reúne anéis com comportamentos variados. Em muitos, há sinais claros no infravermelho médio ou distante, sugerindo material aquecido por processos energéticos. Em outros, a assinatura está concentrada apenas no rádio, o que indica emissão de partículas aceleradas ou choques no gás interestelar. Também foram vistos casos com fontes pontuais no centro, uma pista de que a região ainda abriga atividade estelar ou remanescentes compactos.
Alguns anéis podem ser nebulosas planetárias – cascas de gás e poeira expelidas por estrelas que caminham para o fim da vida. Outros parecem conchas em expansão geradas por explosões estelares, como supernovas e novas, ou por ventos intensos de estrelas muito massivas, a exemplo das Wolf-Rayet e das variáveis azuis luminosas. Essas estrelas, em fases avançadas de evolução, literalmente esculpem o espaço ao redor com jatos e ventos, deixando marcas em forma de arcos e anéis.
Imagem do Telescópio Espacial James Webb da estrela Wolf-Rayet WR 124 e da nebulosa M1-67 que a circunda. Estrelas como esta podem ser responsáveis pelos anéis de rádio recém-descobertos. Crédito: NASA, ESA, CSA, STScI, Equipe de Produção Webb ERO
Há ainda as possibilidades mais “fora da curva”: alguns objetos podem ser galáxias distantes ampliadas por lentes gravitacionais ou pertencer a uma classe recém-reconhecida de fontes de rádio circulares cujo funcionamento ainda é tema de debate. Para reduzir a incerteza, a equipe confrontou os sinais do rádio com mapas do infravermelho e catálogos astronômicos, propondo classificações preliminares para uma parcela significativa das fontes. Mesmo assim, a confirmação de cada caso depende de novas observações com melhor resolução angular e diferentes faixas do espectro.
Estudo revela diversidade de estruturas na Via Láctea
O estudo reforça como a radioastronomia continua a transformar nosso retrato da Via Láctea. Ao revelar objetos que levantamentos anteriores deixaram passar, o MeerKAT aponta para uma população maior e mais diversa de estruturas moldadas pela vida e pela morte das estrelas.
Como destaca o Universe Today, cada anel funciona como um registro fossilizado de processos que reciclam matéria e energia no ambiente galáctico, desde sopradas suaves de vento estelar até choques poderosos que remodelam o gás interestelar.
Imagem de um anel de rádio descoberto pelo telescópio MeerKAT sobreposta a uma imagem óptica do Dark Energy Survey. Crédito: Jayanne English (EUA, Manitoba)
O próximo passo é voltar a essas fontes com instrumentos capazes de separar melhor as estruturas internas e medir a física do gás e do plasma em detalhe. Entender quais anéis são “cascas” de explosões, quais foram talhados por ventos e quais pertencem a categorias raras ajudará a montar uma linha do tempo mais precisa da atividade estelar na nossa vizinhança cósmica. Para a saúde do próprio campo científico, o recado é claro: ainda há muita coisa escondida na Via Láctea, esperando o comprimento de onda certo para ser vista.
Na prática, isso significa melhores pistas sobre como as estrelas nascem, evoluem e morrem – e como esses eventos reciclam elementos químicos que, um dia, acabam em novos sistemas planetários. Investir em observações de rádio complementares a outras faixas de luz torna a astronomia mais completa e traz respostas tangíveis sobre a história e o futuro da nossa galáxia.
O post Observatório de rádio descobre 164 anéis misteriosos na Via Láctea apareceu primeiro em Olhar Digital.