Joias de Buda expõem tensão entre governos e colecionadores

Uma polêmica que movimentou o mundo da arqueologia e do comércio de antiguidades em 2025 terminou com a suspensão de um leilão milionário da Sotheby’s, que venderia as “Relíquias Sagradas de Piprahwa” (centenas de joias associadas a Buda), após o governo da Índia exigir a devolução das peças e ameaçar ação judicial.

Segundo o jornal The Guardian, as joias fariam parte da Coleção Al Thani, pertencente à família real do Catar, e incluem colares, pingentes e ornamentos considerados sagrados por comunidades budistas. Avaliadas em cerca de US$13 milhões, as peças seriam o destaque de uma das maiores vendas de arte asiática já organizadas em Londres.

No entanto, o governo indiano afirma que os artefatos foram retirados ilegalmente do país durante o domínio britânico e, portanto, pertencem ao seu patrimônio cultural. O Ministério da Cultura enviou uma notificação formal à Sotheby’s pedindo a suspensão imediata do leilão e a repatriação dos objetos.

Mais joias de Piprahwa no leilão da Sotheby’s. Crédito: Sotheby’s

Em 7 de maio, a Sotheby’s confirmou o adiamento “para uma revisão mais aprofundada da origem das peças”. O caso provocou forte reação pública na Índia e abriu um debate sobre a restituição de bens culturais, segundo a School of Oriental and African Studies (SOAS), uma instituição pública do Reino Unido ligada à Universidade de Londres.

Dois meses depois, após intensas negociações, as joias foram adquiridas pelo conglomerado indiano Godrej Industries e devolvidas à Índia. O primeiro-ministro Narendra Modi celebrou a repatriação como um “dia de alegria para o patrimônio cultural” do país. As peças foram recebidas com cerimônias religiosas e serão expostas no Museu Nacional de Nova Délhi, ainda sem data marcada.

Saque ou venda de relíquias de Buda: uma grave violação ética

O professor Ashley Thompson, da SOAS, e o doutorando Conan Cheong publicaram um estudo no Journal of Buddhist Ethics e um artigo de opinião no Religion News Service intitulados “Vendendo as Relíquias de Buda”, analisando a violência inerente ao processo de aquisição colonial e sua perpetuação na planejada venda pela Sotheby’s.  

No documento, eles destacaram a compreensão budista sobre as relíquias, tanto na época de seu sepultamento quanto hoje, reforçando o saque ou a venda de relíquias de Buda como uma grave violação ética. 

Algumas das joias de Piprahwa sendo vendidas pelos descendentes do engenheiro britânico William Caxton Peppe em um leilão. Crédito: Sotheby’s

Na última sexta-feira (10), as relíquias foram enviadas para a República da Calmúquia, na Rússia, para uma exposição internacional que vai até esta sexta (18), na cidade de Elista. Essa ação tem como objetivo promover a paz e o intercâmbio cultural entre os países. 

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Caso das joias levanta questão: quem é o dono do passado?

Especialistas destacam que o episódio reflete uma questão antiga: quem é o verdadeiro dono do passado. Casos semelhantes já envolveram esculturas gregas no Reino Unido, múmias egípcias na França e arte indígena na América do Norte. Para muitos, as joias de Buda são mais do que objetos de luxo; são símbolos espirituais e históricos.

Segundo autoridades em patrimônio cultural, mesmo após a venda, a Índia poderia recorrer a tribunais internacionais para contestar a transferência das joias, amparada por instrumentos como o Antiquities and Art Treasures Act e o Ancient Monuments and Archaeological Sites and Remains Act.

Essas leis conferem à Índia a propriedade de artefatos culturais, independentemente de sua exportação durante o período colonial. Isso implica que o governo indiano poderia recorrer a tribunais internacionais ou entidades como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) para contestar a negociação e buscar a repatriação das peças.

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