Exposição ao chumbo pode ter afetado evolução do cérebro de hominídeos 

Um estudo internacional pode mudar a visão de que a exposição ao metal tóxico chumbo é em grande parte um fenômeno pós-industrial. Conduzida na Southern Cross University, na Austrália, a pesquisa revela que nossos ancestrais humanos foram expostos ao chumbo por mais de dois milhões de anos, e que o metal tóxico pode ter influenciado a evolução dos cérebros dos hominídeos, o comportamento e até mesmo o desenvolvimento da linguagem.

“Nossos dados mostram que a exposição ao chumbo não foi apenas um produto da Revolução Industrial – ela fez parte do nosso cenário evolutivo”, disse o professor Renaud Joannes-Boyau, chefe do grupo de pesquisa da universidade. “Nosso trabalho não apenas reescreve a história da exposição ao chumbo, mas também nos lembra que a interação entre nossos genes e o meio ambiente vem moldando nossa espécie há milhões de anos e continua a fazê-lo.” As descobertas foram publicadas na revista Science Advances.

Exposição ao metal tóxico pode ter influenciado até mesmo o desenvolvimento da linguagem (Imagem: serikbaib/iStock)

Buscando pistas

A pesquisa combinou geoquímica fóssil, experimentos com organoides cerebrais e genética evolutiva para descobrir o papel do chumbo na história humana. A equipe analisou 51 dentes fósseis de espécies de hominídeos e grandes símios, incluindo Australopithecus africanus, Paranthropus robustus, Homo primitivo, Neandertais e Homo sapiens para identificar assinaturas químicas claras de exposição intermitente ao metal.

Utilizando geoquímica de ablação a laser de alta precisão, os pesquisadores encontraram “faixas de chumbo” distintas nos dentes, formadas durante a infância, à medida que o esmalte e a dentina cresciam. Essas faixas revelam episódios repetidos de absorção de chumbo tanto de fontes ambientais (como água contaminada, solo ou atividade vulcânica) quanto das próprias reservas ósseas do corpo, liberadas durante estresse ou doença.

Em laboratório, os cientistas também utilizaram organoides cerebrais humanos (modelos em miniatura do cérebro cultivados) para explorar como essa exposição ancestral pode ter afetado o desenvolvimento cerebral.

Modelos em miniatura do cérebro cultivados em laboratório (Imagem: Southern Cross University)

Eles compararam os efeitos do chumbo em duas versões de um gene-chave do desenvolvimento chamado NOVA1, um gene conhecido por orquestrar a expressão gênica após a exposição ao chumbo durante o neurodesenvolvimento. A versão humana moderna do NOVA1 é diferente daquela encontrada em neandertais e outros hominídeos extintos, mas até agora, os cientistas não sabiam por que essa alteração evoluiu.

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O resultado…

Aqueles organoides portadores da variante arcaica NOVA1 expostos ao chumbo apresentaram interrupções acentuadas na atividade dos neurônios que expressam FOXP2 no córtex e no tálamo, regiões cerebrais cruciais para o desenvolvimento da fala e da linguagem. O efeito foi muito menos pronunciado em organoides portadores da variante moderna NOVA1.

“Esses resultados sugerem que nossa variante NOVA1 pode ter oferecido proteção contra os efeitos neurológicos nocivos do chumbo”, disse o brasileiro Alysson Muotri, professor de Pediatria/Medicina Celular e Molecular e diretor do Centro Integrado de Pesquisa Orbital de Células-Tronco Espaciais do Instituto de Células-Tronco Sanford da UC San Diego, que participu da pesquisa.

Estudo evidencia como a toxicidade do chumbo pode ter causado mudanças genéticas (Imagem: undefined/iStock)

“É um exemplo extraordinário de como uma pressão ambiental, neste caso, a toxicidade do chumbo, pode ter causado mudanças genéticas que melhoraram a sobrevivência e nossa capacidade de nos comunicarmos usando a linguagem, mas que agora também influenciam nossa vulnerabilidade à exposição moderna ao chumbo.”

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