Em 2025, a humanidade comemora um marco duplo: o centenário da mecânica quântica moderna e o Ano Internacional da Ciência e Tecnologia Quânticas, declarado pela Organização das Nações Unidas (ONU). A celebração reconhece o impacto profundo da teoria — nascida em 1925 com os trabalhos de Werner Heisenberg e Erwin Schrödinger — sobre a forma como compreendemos a natureza e desenvolvemos tecnologia.
Segundo o professor Ronni Amorim, pós-doutor em física e docente da Universidade de Brasília (UnB), a iniciativa reflete tanto a importância histórica quanto o papel crescente da quântica no mundo contemporâneo.
“A comunidade científica encara esta celebração como uma oportunidade de aumentar a conscientização global sobre o papel da mecânica quântica e suas aplicações tecnológicas”, explica Amorim. “Além de difundir o conhecimento, a proposta busca atrair novos investimentos e promover igualdade de gênero na ciência, ampliando a participação de diferentes países nesse campo”, diz.
Leia também
Computação quântica: físicos reformulam princípio de Heisenberg
Cientistas registram chuva quântica inédita: “Igual bolhas de sabão”
Computação quântica: magnéticos e a próxima revolução tecnológica
Falso agente da CIA é preso com diploma de física quântica e da ONU
Da teoria ao cotidiano
A mecânica quântica é, hoje, um dos pilares da ciência moderna — não apenas por explicar o comportamento da matéria e da luz, mas porque sustenta a base da economia digital.
De transistores e lasers a painéis solares e aparelhos de ressonância magnética, praticamente tudo o que envolve energia, informação e comunicação depende de princípios quânticos.
“Um levantamento mostrou que cerca de um terço do PIB dos Estados Unidos advém diretamente de aplicações da mecânica quântica. Ela está em todas as áreas — da medicina à computação, dos semicondutores à nanotecnologia”, explica o pesquisador da UnB.
Para o também físico e doutor Rendisley Aristóteles, a decisão da ONU é mais do que simbólica — é estratégica. “A declaração de 2025 como Ano Internacional da Ciência e Tecnologia Quânticas sinaliza que a quântica deixou de ser um território restrito aos laboratórios e tornou-se tema de educação, inovação e desenvolvimento econômico”, afirma.
Segundo ele, o movimento deve mobilizar governos, universidades e empresas na formação de profissionais e no fortalecimento da infraestrutura científica. “A meta é reduzir a ‘divisão quântica’ entre os países que já dominam essas tecnologias e os que ainda estão começando”, explica.
Ao longo de um século, a mecânica quântica reformulou a própria noção de realidade. Enquanto a física clássica descrevia o mundo com leis deterministas, a quântica revelou um universo governado por probabilidades, superposições e fenômenos contraintuitivos, como o entrelaçamento, quando duas partículas permanecem conectadas mesmo a grandes distâncias.
Foi nesse contexto que surgiram algumas das ideias mais emblemáticas da ciência moderna. Em 1935, o físico austríaco Erwin Schrödinger propôs o famoso experimento do gato, um paradoxo em que o animal estaria, ao mesmo tempo, vivo e morto — até que uma observação definisse seu estado. O exemplo buscava ilustrar o conceito de superposição quântica, núcleo da teoria.
O “gato de Schrödinger”: experimento mental criado em 1935 ilustra o princípio da superposição quântica
Poucos anos antes, o alemão Werner Heisenberg havia formulado o Princípio da Incerteza, segundo o qual não é possível conhecer com precisão simultânea a posição e o momento de uma partícula. Essa ideia rompeu com o determinismo da física clássica e inaugurou uma nova forma de pensar a natureza: com base na probabilidade, não na certeza absoluta.
“A teoria não nega o mundo clássico; ela o amplia”, resume o físico Rendisley. “Ela nos dá uma gramática matemática capaz de explicar e controlar fenômenos que antes pareciam impossíveis, como o tunelamento e a interferência quântica.”
A era das tecnologias quânticas
O século 21 marca o início do que os cientistas chamam de “segunda revolução quântica” — uma nova era em que pesquisadores não apenas observam efeitos quânticos, mas aprendem a programá-los e controlá-los.
Computação quântica, criptografia inviolável e sensores ultraprecisos são alguns exemplos das frentes tecnológicas que prometem transformar indústrias inteiras.
“Apesar de o termo ‘segunda revolução’ soar grandioso, o que vivemos agora é a aplicação prática de uma teoria consolidada. Mesmo assim, o impacto será enorme: novas tecnologias capazes de mudar a qualidade de vida humana surgirão a partir daqui”, explica Amorim.
Brasil no mapa da quântica
O Brasil, segundo ambos os físicos, tem papel relevante nesse cenário. Rendisley cita o acelerador de partículas Sirius, em Campinas, e as redes de pesquisa em ótica e informação quântica em universidades como USP, Unicamp, UFRJ e Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).
Já Amorim ressalta o avanço de projetos como o Senai Climatec e o Laboratório Nacional de Computação Científica, que desenvolvem algoritmos e criptografia quântica.
“O país tem competência e talento, mas precisa transformar ilhas de excelência em massa crítica nacional, garantindo continuidade de financiamento e incentivo à formação de novos pesquisadores”, completa.
Sirius é uma fonte de luz síncrotron de quarta geração localizada em Campinas, no interior de São Paulo
Do invisível ao essencial
Cem anos após nascer como uma teoria que desafiava a intuição humana, a física quântica tornou-se o idioma da tecnologia moderna. Está presente em cada chip, feixe de laser e até no GPS que guia o celular.
Para Rendisley, o verdadeiro desafio agora é cultural: “Popularizar com responsabilidade significa traduzir ideias profundas em experiências acessíveis, construir pontes entre curiosidade e competência. A quântica já é parte do vocabulário da cidadania científica.”
Siga a editoria de Saúde e Ciência no Instagram e fique por dentro de tudo sobre o assunto!