Fazendeiros se apropriam ilegalmente de terras de pequenos agricultores e povos indígenas no Pará, estado que sediará a COP30 em novembro.
De acordo com o relatório divulgado pela ONG Human Rights Watch, a pecuária ilegal se apossou de territórios do projeto de desenvolvimento sustentável “Terra Nossa” e da “Terra Indígena Cachoeira Seca” para criar gado que, posteriormente, foi vendido para frigoríficos da JBS, maior produtora de carne do mundo.
O programa “Terra Nossa” foi criado em 2006 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para famílias cultivarem a terra, colherem frutas e castanhas, vendendo seus produtos nos mercados locais.
Naquela época, a cobertura florestal correspondia a 80% do assentamento de 150.000 hectares. Em 2023, 45,3% da área havia sido convertida em pasto – ação causada por fazendeiros que invadiram a área ilegalmente e violentamente, segundo o relatóro.
Já no território indígena “Cachoeira Seca”, fazendeiros estão se espalhando pela área de 733.000 hectares, reduzindo a disponibilidade de caça e produtos florestais, restringindo a movimentação dos povos indígenas em seu próprio território e minando seus direitos culturais, diz a ONG. Em 2024, “Cachoeira Seca” registrou a maior área desmatada em terras indígenas na Amazônia brasileira.
Exportação para Europa
A Human Rights Watch analisou dados comerciais entre 2020 e 2025 e descobriu que Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Irlanda, Holanda, Espanha e Suécia importaram carne bovina dos municípios onde ficam frigoríficos da JBS identificados no levantamento, enquanto a Itália foi um dos principais destinos dos produtos de couro.
“Combater o desmatamento e as violações de direitos humanos vinculadas com as cadeias de fornecimento de gado é uma responsabilidade compartilhada entre vendedores e compradores”, disse Luciana Téllez Chávez, pesquisadora sênior de meio ambiente da Human Rights Watch. “O Brasil e a UE deveriam trabalhar juntos para proteger a floresta e defender os direitos das comunidades que dependem dela.”
Atualmente, países da União Europeia estão discutindo o adiamento da aplicação do Regulamento de Produtos Livres de Desmatamento, que proibiria a comercialização de produtos bovinos no mercado da UE se eles fossem originários de terras desmatadas após 2020 ou se a produção violasse as leis nacionais do país de origem.
A medida permitiria que commodities vinculadas ao desmatamento ilegal e violações de direitos humanos continuassem entrando no mercado europeu e colocaria em dúvida o compromisso do continente de combater sua pegada global de desmatamento, afirmou a Human Rights Watch.
Já o governo brasileiro deveria retomar as áreas ocupadas ilegalmente pelas fazendas e exigir indenização contra os responsáveis pela ocupação e uso ilegais de terras nas comunidades afetadas e acelerar a implementação e a aplicação efetiva de um sistema de rastreabilidade do gado, na opinião da ONG.
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O desafio do rastreio
Não há exigência federal para rastrear o gado individualmente à medida que ele passa por várias fazendas no Brasil. E a JBS não rastreia sistematicamente seus fornecedores indiretos e não pode garantir que gado ilegal não tenha entrado em sua cadeia de fornecimento, segundo o relatório.
“A JBS ainda não possui um sistema para rastrear seus fornecedores indiretos de gado, apesar de ter se comprometido a implementar um já em 2011”, disse Luciana Téllez. “Sem ele, a empresa não pode cumprir seu compromisso de eliminar o desmatamento de sua cadeia de abastecimento até o final de 2025.”
À Human Rights Watch, a JBS afirmou que monitora as fazendas de seus fornecedores diretos para verificar se eles cumprem sua política de compras. A empresa também afirmou que, a partir de 1º de janeiro de 2026, será obrigatório que os fornecedores diretos disponibilizem informações sobre sua cadeia de suprimentos.
Já o governo do Pará anunciou que estabelecerá um sistema de rastreabilidade individual de gado até 2026, enquanto o governo federal prometeu um plano para implementar um sistema nacional de rastreabilidade individual de gado até 2032.
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