O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), o povo indígena Anacé e organizações cearenses alertam para possíveis irregularidades no licenciamento ambiental do mega data center da ByteDance, controladora do TikTok, previsto para o município de Caucaia (CE). O empreendimento está em análise na Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) e é questionado por supostamente avançar sem estudos socioambientais adequados e sem diálogo com as comunidades atingidas.
Mesmo após a denúncia encaminhada ao Ministério Público Federal (MPF), o processo de licenciamento continua em curso. As entidades pedem a suspensão imediata da licença prévia já concedida, afirmando que o projeto pode trazer impactos significativos sobre o consumo de energia, os recursos hídricos e os direitos das populações locais. O Olhar Digital já havia apresentado anteriormente as preocupações com o impacto ambiental do empreendimento e tentativas de barrar o projeto.
Data center do TikTok apresenta consumo elevado de energia e impacto hídrico
De acordo com informações da Casa dos Ventos, responsável pela construção, o data center da empresa-mãe do TikTok terá consumo energético estimado em 210 megawatts, o que equivale ao gasto diário de mais de 2,2 milhões de pessoas — volume superior ao consumo da cidade de Fortaleza e de 99% dos municípios brasileiros.
Além do uso expressivo de energia, o empreendimento prevê captação de água em aquíferos que já abastecem comunidades em situação de escassez hídrica. Segundo as organizações, o risco é de agravamento do desabastecimento e pressão sobre tarifas de energia e água.
Para Julia Catão Dias, coordenadora do Programa de Consumo Responsável e Sustentável do Idec, o momento é decisivo:
“Se a licença for concedida e a construção começar, reverter o processo será muito mais difícil no futuro, quando essas infraestruturas competirem com a população por energia e água, pressionando tarifas e agravando desigualdades em nome de uma digitalização sem transparência nem responsabilidade socioambiental”, afirmou ela.
Questionamentos sobre o processo de licenciamento
As entidades criticam o enquadramento do empreendimento do TikTok como de baixo impacto ambiental, o que permitiu o uso de um Relatório Ambiental Simplificado (RAS) em vez do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA). Essa classificação também dispensou audiências públicas e a análise pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (Coema).
Outro ponto de contestação é a ausência de consulta ao povo indígena Anacé, que habita tradicionalmente a região. O direito à consulta prévia, livre e informada é garantido pela Constituição Federal e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ainda assim, o plano da empresa prevê que o diálogo com as comunidades aconteça somente após a emissão da licença de instalação, quando as obras já poderiam ter início.
Representação ao MPF e alerta sobre precedente
O Idec, o povo Anacé e as organizações parceiras — Instituto Terramar, LAPIN, IP.Rec e Escritório Frei Tito — protocolaram uma representação junto à 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, solicitando a suspensão imediata do processo de licenciamento e a anulação da licença prévia concedida pela Semace.
As entidades afirmam que o caso pode abrir um precedente para a instalação de grandes empreendimentos digitais sem a devida avaliação de impactos e sem respeito aos direitos locais.
“Se esse licenciamento for aprovado, estaremos abrindo a porta para uma nova frente de injustiça socioambiental no Brasil, a digital. É preciso garantir que a transição tecnológica não repita as lógicas de exploração e racismo ambiental que já marcam a transição energética”, disse Andrea Camurça, do Instituto Terramar.
O que dizem os envolvidos
A Semace afirma que o licenciamento do empreendimento segue todos os trâmites legais e técnicos previstos na legislação ambiental. Segundo o órgão, a Licença de Instalação do data center prevê que a empresa realize oitivas com as comunidades do entorno antes do início das obras, garantindo que essas escutas, formalizadas como condicionantes, sejam obrigatórias para o início da implantação.
A Semace também destacou que o projeto está localizado em área já antropizada, dentro do perímetro do Hub do Hidrogênio Verde, que já passou por estudos ambientais anteriores, justificando a solicitação do Relatório Ambiental Simplificado. Veja o posicionamento da empresa na íntegra:
A Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) informa que o licenciamento do empreendimento segue todos os trâmites legais e técnicos previstos na legislação ambiental. Na Licença de Instalação do empreendimento, a empresa deverá realizar oitivas com as comunidades do entorno antes do início das obras. Essas escutas estão formalizadas como condicionantes e são obrigatórias para o início da implantação do projeto, que está localizado em área já antropizada, dentro do perímetro do Hub do Hidrogênio Verde, região que já passou por estudos ambientais anteriores. Por essa razão, foi solicitado o Relatório Ambiental Simplificado (RAS).
Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace), em resposta ao Olhar Digital
A Casa dos Ventos, responsável pela construção, reforçou que o projeto é pautado em sustentabilidade e inovação, funcionando com energia 100% limpa e renovável gerada por novas plantas da companhia na mesma região. A empresa afirmou ainda que mantém um diálogo contínuo com as comunidades e autoridades, garantindo o cumprimento de todas as etapas de licenciamento ambiental e das melhores práticas vigentes. Abaixo o posicionamento completo da Casa dos Ventos:
O projeto de data center da Casa dos Ventos é fundamentado em sustentabilidade e inovação. Seu funcionamento será alimentado por energia 100% limpa e renovável, gerada por novas plantas da companhia na mesma região e que serão dedicadas à essa atividade. A empresa reforça seu compromisso com a transparência e o cumprimento rigoroso de todas as etapas de licenciamento ambiental. Além de ter obtido as licenças ambientais necessárias do estado do Ceará com base em um estudo técnico rigoroso, a Casa dos Ventos mantém um diálogo contínuo com as comunidades e autoridades, garantindo uma implementação que respeite a legislação, as melhores práticas vigentes, as pessoas e o meio ambiente.
Casa dos Ventos, em resposta ao Olhar Digital
O MPF informou que a investigação está sendo conduzida pela unidade do Ceará, que ainda não retornou o contato do Olhar Digital.
Enquanto isso, o TikTok declarou que, no momento, não tem informações a compartilhar sobre o tema.
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