A morte costuma marcar o fim de um ciclo, mas não é assim com as baleias. Um dos animais mais importantes do planeta, o mamífero transforma o oceano mesmo depois de morrer, dando origem a novos ecossistemas nas profundezas do mar.
Quando uma baleia morre, o corpo afunda lentamente até o fundo do oceano, onde começa uma nova história.
“Quando elas morrem, o corpo afunda. Depois de 24 a 36 horas, a decomposição forma tanto gás que a carcaça volta à superfície e passa a flutuar, sendo levada ao sabor dos ventos e das correntes”, explica Milton Marcondes, médico veterinário e coordenador de pesquisa do Instituto Baleia Jubarte.
É nesse momento que ocorre o fenômeno conhecido como “queda da baleia”, que dá início a um novo ciclo de vida no fundo do mar.
Segundo a professora de biologia Camila Braga, do Colégio Objetivo, de Brasília, o corpo se transforma em um banquete ecológico que atrai diferentes formas de vida ao longo dos anos.
“Primeiro, tubarões e outros peixes grandes se alimentam da carne. Depois, entram em cena pequenos animais e microrganismos que continuam o trabalho, transformando a carcaça em um banquete que pode durar décadas”, diz a especialista.
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O professor de biologia Hudson Monteiro, do Colégio Marista Champagnat, explica que essa sequência dá origem a um novo ecossistema. À medida que o corpo afunda, espécies adaptadas às grandes profundidades, como caranguejos, polvos, vermes e bactérias, passam a ocupar a região.
“Até mesmo os ossos são aproveitados por vermes do gênero Osedax, especializados em extrair nutrientes dessas estruturas”, detalha.
A importância científica da “queda da baleia”
Para os pesquisadores, as carcaças afundadas funcionam como verdadeiros laboratórios naturais. “Estamos estudando a importância ecológica das baleias para o Banco dos Abrolhos, afundando pedaços de carcaça e quantificando quem se alimenta, além de medir o quanto aumenta a produtividade das áreas com carcaça em comparação às sem”, explica Milton Marcondes.
Ele destaca que as baleias ajudam a transportar nutrientes das águas frias das regiões polares para as tropicais. “Elas liberam nutrientes por meio das fezes, urina e até na decomposição dos próprios corpos. Isso aumenta a produtividade marinha, inclusive de espécies de interesse pesqueiro, e contribui para o equilíbrio climático do planeta”, diz o médico veterinário.
Camila Braga reforça que estudar esses “cemitérios” de baleias ajuda a entender processos ecológicos profundos.
“Eles revelam como comunidades marinhas se formam e evoluem em ambientes extremos, como fontes hidrotermais. Também ajudam a compreender a reciclagem de nutrientes e carbono nas profundezas, além da adaptação de organismos especializados”, afirma a professora de biologia.
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Pesquisadores mergulham no Banco de Abrolhos para estudo sobre o papel das baleias-jubartes nos recifes de corais
Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha – LECoMAR2 de 2
Pedaço de carcaça de baleia é colocado no fundo do mar com proteção de grade em experimento, atraindo peixes e organismos marinhos
Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha – LECoMAR
Papel vital no equilíbrio do planeta
A contribuição das baleias vai além do oceano. Por viverem muito e acumularem grandes quantidades de biomassa, elas são consideradas importantes sequestradoras de carbono.
“As baleias armazenam carbono em seus corpos e, quando morrem, esse carbono afunda junto com elas, permanecendo aprisionado no fundo do mar. Isso contribui para que o gás não circule na atmosfera e auxilia no controle climático”, explica Hudson.
Os especialistas consideram que as baleias têm um papel comparável ao das grandes florestas tropicais.
“Elas estocam carbono e fertilizam os oceanos por meio das fezes e urina, o que estimula o crescimento do fitoplâncton — responsável por boa parte do oxigênio do planeta e pela remoção de gás carbônico da atmosfera”, finaliza o professor de biologia.
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