Existe vício em comida? Entenda o que ocorre no cérebro

Quando se trata de vício em relação à comida, há muitos aspectos a considerar sobre esta questão. Afinal, no campo clínico, a dependência de alimentos ainda não foi classificada como transtorno mental. Dessa forma, ela não consta no Manual de Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-V-TR).

Por outro lado, existem transtornos alimentares inseridos no manual que podem ter características semelhantes à dependência de alimentos. Além disso, algumas pesquisas demonstram como se dá essa ideia de vício em comida, avaliando o que acontece no cérebro. Confira mais informações a seguir.

A ideia de vício em comida, segundo estudos

A discussão sobre o “vício em comida” tem ganhado força na neurociência, especialmente quando se trata de alimentos ultraprocessados, aqueles ricos em açúcar, gordura e sal, formulados para serem irresistíveis.

O impacto das dietas restritivas na autoimagem pode ser significativo, gerando frustração e sentimentos de culpa/Shutterstock_New Africa

Embora o termo ainda não seja oficialmente reconhecido como diagnóstico clínico, pesquisadores como Jônatas de Oliveira, nutricionista e pesquisador da USP, têm aprofundado o debate com base em evidências científicas.

Dessa forma, Jônatas de Oliveira, doutorando em Transtornos Alimentares pela Faculdade de Medicina da USP, tem se dedicado a investigar como o desejo intenso por certos alimentos pode se manifestar de forma semelhante à dependência química.

Em suas pesquisas, ele destaca que o comportamento alimentar compulsivo não se resume a uma simples “falta de controle”, mas envolve fatores neurobiológicos, emocionais e sociais complexos.

Em uma pesquisa recente, o nutricionista analisou dados de 190 mulheres participantes de um grupo de apoio para transtornos alimentares, seguindo a Yale Food Addiction Scale (uma escala de vício alimentar de Yale).

Os dados mostraram uma correlação direta entre o grau de autocrítica em relação ao comportamento alimentar e a identificação com o conceito de vício. De forma que, quanto mais severo o julgamento pessoal, maior a tendência de se perceber como “viciada”. Ou seja, isso sugere que a percepção de vício pode estar profundamente ligada à forma como cada pessoa interpreta e avalia sua relação com a comida.

Além disso, os pesquisadores destacam que o modo como se lida com o sofrimento emocional influencia essa autopercepção.

A falta de autocompaixão pode levar indivíduos a nomear suas dificuldades alimentares como “vício”, especialmente quando expostos a questionários que já pressupõem perda de controle. A linguagem usada nesses instrumentos, como “as pessoas às vezes têm dificuldade em controlar o quanto comem certos alimentos”, pode reforçar essa identificação, moldando a forma como o comportamento alimentar é compreendido e rotulado.

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O cérebro reage às restrições

Dietas restritivas podem afetar a saúde mental e emocional, tornando essencial uma abordagem alimentar equilibrada/shutterstock_New Africa

De acordo com outra pesquisa da USP, o cérebro pode reagir a sensações de falta de comida, quando o indivíduo passa por dietas restritivas e parte de alimentos que deseja comer se apresentam ao cérebro como imagens vívidas e atraentes. 

De acordo com o estudo, foram descobertos diversos fatores que contribuem para essa noção de vício por comida, mas a prática de dietas está entre as principais. Dessa forma, dietas como a low carb são entendidas no cérebro como uma mensagem de autocontrole, que entra em conflito com o desejo de comer algo delicioso e proibido.

Vício em comida existe?

Como conclusão, é possível afirmar que há evidências científicas que sustentam a ideia de que o vício em comida compartilha características com outras formas de dependência.

Alimentos altamente palatáveis podem provocar liberação intensa de dopamina, levando à repetição compulsiva do consumo/Imagem: Catherine Tighe / Shutterstock

Estudos com técnicas de neuroimagem revelaram alterações em regiões cerebrais associadas ao sistema de recompensa, o mesmo envolvido na dependência de drogas. Além disso, há relatos de pessoas que, mesmo conscientes dos prejuízos à saúde, não conseguem controlar o consumo de certos alimentos, o que reforça a semelhança com comportamentos aditivos.

Por outro lado, há limitações importantes que dificultam o reconhecimento do vício em comida como um transtorno independente.

Pesquisas em modelos animais, por exemplo, não refletem a complexidade do ambiente humano, onde o acesso aos alimentos é constante e variado. Além disso, os sintomas de dependência alimentar se sobrepõem aos de outros transtornos, como a compulsão alimentar, o que torna difícil isolar o fenômeno como uma condição clínica distinta.

Por fim, ainda não há consenso sobre o que exatamente estaria sendo “viciante”: o alimento em si, seus componentes (como açúcar ou gordura), ou o próprio ato de comer.

Essa indefinição conceitual, somada à influência de fatores emocionais, sociais e culturais, mostra que o vício em comida é um campo em construção que exige mais estudos. Além disso, vale ressaltar que essa dependência ainda não é considerada um transtorno por órgãos oficiais como a Associação Americana de Psiquiatria e a Organização Mundial da Saúde.

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