Imagine que a Apple, em meio a uma batalha judicial por patentes, se visse obrigada a ligar para a Samsung, sua maior rival global, para resolver um problema crítico que estivesse ameaçando paralisar ambas as operações. É essa a situação no espaço: a NASA e a Agência Espacial Nacional da China (CNSA) são rivais de longa data e mal podem conversar devido a leis dos EUA que limitam essa interação. No entanto, o risco de uma colisão de satélites forçou as duas potências a um diálogo de emergência.
O perigo de uma colisão de satélites funcionou como um “CEO implacável” – uma força superior que exige resultados, não importa quem seja o concorrente. O resultado foi um diálogo de emergência forçado, obrigando rivais ferrenhos a cooperarem, em um feito sem precedentes e absolutamente crucial na gestão e segurança do tráfego espacial global.
A órbita da Terra é tomada por uma “atmosfera” de lixo espacial – um inimigo comum dos EUA e da China que obriga uma união entre os dois países rivais. Crédito: Frame Stock Footage – Shutterstock
Marco revolucionário no protocolo de segurança
De acordo com o site Space.com, essa aproximação inusitada sinaliza uma mudança importante no protocolo de segurança. Até então, quando havia risco de impacto, o procedimento era conduzido de forma unilateral pelos EUA. A NASA simplesmente alertava os chineses para que ficassem parados e providenciava o desvio.
“Durante anos, se tivéssemos uma conjunção, enviávamos um aviso aos chineses dizendo: ‘Acreditamos que vamos colidir com vocês. Fiquem parados, nós manobraremos ao redor de vocês’”, disse Alvin Drew, diretor de Sustentabilidade Espacial da NASA, durante uma sessão plenária no Congresso Internacional de Astronáutica (IAC) em Sydney, Austrália, em 2 de outubro.
Alvin Drew, diretor de Sustentabilidade Espacial da NASA, em uma sessão plenária no Congresso Internacional de Astronáutica (IAC) em Sydney, Austrália. Crédito: Agência Espacial Europeia / YouTube
A inversão de papéis aconteceu repentinamente, um dia antes, sendo até celebrada na NASA. Drew então contou que, pela primeira vez na história, a CNSA procurou ativamente os estadunidenses e assumiu o comando. “Detectamos risco de choque entre nossos satélites. Recomendamos que fiquem parados; nós faremos a manobra de desvio”, disse o alerta, marcando o ponto de virada na coordenação espacial.
Megaconstelações de satélites lotam a órbita da Terra
O aumento de objetos em órbita exige coordenação urgente. Tanto os EUA, liderados pela gigantesca Starlink, da SpaceX, quanto a China, com seus ambiciosos projetos Guowang e Thousand Sails, estão lançando satélites em ritmo vertiginoso.
Esse crescimento exponencial força os operadores a agirem com rigor. O objetivo primordial é limitar acidentes e, acima de tudo, prevenir a formação de mais lixo espacial, um problema que ameaça a segurança de todas as nações que dependem do espaço.
São mais de 10 mil satélites da Starlink na órbita da Terra. Crédito: Albert89 – Shutterstock
A aproximação feita pela China sugere que a consciência situacional espacial do país (a capacidade de rastrear e entender os riscos em órbita) alcançou um nível avançado. Os chineses demonstraram ter recursos para detectar e calcular riscos de colisão (conjunções) e, a partir daí, iniciar a coordenação. O desenvolvimento dessa competência, incluindo esforços para remover lixo espacial, já era uma prioridade delineada no plano espacial chinês para o período de 2021 a 2026.
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Realidade do espaço ignora lei dos EUA
A troca de mensagens entre a NASA e a CNSA configura uma exceção à Emenda Wolf. Essa lei de 2011, dos EUA, funciona como um bloqueio regulatório: ela proíbe a maior parte da cooperação bilateral e da interação direta entre a agência norte-americana e as entidades chinesas, por questões de segurança e tecnologia.
No entanto, a urgência do espaço prevaleceu sobre a política. Proteger satélites valiosos e, sobretudo, salvar missões e vidas, falou mais alto que as barreiras legais. Quando o risco de um desastre orbital é uma ameaça universal, inimigos que se evitam no chão são forçados a uma trégua de bom senso no céu.
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