Talvez você já tenha ouvido falar de Petra, uma das várias cidades perdidas e lendárias do mundo. Localizada na região do deserto da Jordânia, a 1,5 mil metros de altitude, ela é singular, pois suas edificações foram talhadas na rocha avermelhada.
Logo na entrada, após o desfiladeiro Siq, podemos ver a fachada monumental de Al Khazna (Tesouro). Hoje abandonada, a cidade, apesar de estar em uma das regiões mais inóspitas do mundo, foi cheia de vida por séculos, depois, abandonada e perdida e, então, encontrada novamente.
Petra era a capital do povo nabateu, que viveu por lá há cerca de dois mil anos e que acabou perdendo-a para os romanos, império que a anexou ao seu vasto território por volta de 106 d.C., sendo ponto estratégico no comércio realizado entre as regiões do sul da Arábia (atuais Iêmen e Omâ), África, Índia e a região greco-romana.
Como Petra foi construída
Petra foi financiada com os impostos de até 25% cobrados sobre as mercadorias importadas;
Até a água tomada pelos camelos dos viajantes era cobrada;
Os nabateus traziam especiarias, incenso, seda e outras mercadorias valiosas;
Estima-se que Petra abrigou, em seu ápice, entre 20 mil e 30 mil habitantes;
Boa parte de sua arquitetura está talhada nas rochas, onde as fachadas de túmulos, templos e estruturas cerimoniais se encontram, em parte, até hoje.
No começo, citamos o Tesouro, cujo nome em árabe é Al Khazna. Ela é uma das principais edificações de Petra, mas, até hoje, arqueólogos e pesquisadores debatem sobre qual seria sua real função.
Imagina-se que o local seja um túmulo real, templo ou tesouraria, pois não possui grandes câmaras mortuárias. Uma das teorias diz que o espaço era um mausoléu dedicado ao rei Aretas IV (9 a.C. – 40 d.C.), um dos principais monarcas da história da cidade.
A técnica utilizada para esculpir Petra necessitava de planejamento preciso e domínio técnico, algo que também vemos em outras culturas, como a romana e a egípcia.
Segundo Zeyad Al-Salameen, arqueólogo da Universidade Mohamed Bin Zayed de Humanidades em Abu Dhabi (Emirados Árabes), em entrevista ao National Geographic, boa parte das instalações preservadas da cidade perdida são túmulos, indo de simples câmaras a grandes e suntuosas fachadas, como a do Tesouro.
As maravilhosas construções esculpidas nas rochas possuíam tons de cor variando entre laranja, vermelho e rosa, sendo, até hoje, algo de tirar o fôlego. Segundo uma lenda, a rainha do Egito Cleópatra teria pedido a seu então marido, César, imperador de Roma, que lhe desse Petra de presente como prova de amor.
A infraestrutura de Petra era sofisticada, permitindo que a cidade prosperasse. O sistema hidráulico dela foi dominado pelos nabateus, assim como vemos em outras culturas da época. Lembre-se: a região da cidade perdida é árida. Agora, pense: nessa situação, eles conseguiram desenvolver um sistema de captação de água bastante eficaz. Ele canalizava fontes externas e era composto por condutos nas rochas, reservatórios, cisternas e represas.
E se engana quem pensa que o calor foi páreo para esse povo. Eles fizeram túneis subterrâneos para evitar o aquecimento da água e até criaram represas que impediam que enchentes sazonais destruíssem as passagens pelo Siq. Eles conseguiam captar gota a gota e, no entorno, como ao norte, em Beidha, cultivavam árvores e alimentos em terraços agrícolas que evitavam a erosão.
Por lá, há evidências de que eles cultivavam vinhedos, oliveiras e cereais, como trigo e cevada. Além disso, alguns papiros contém registros de compra e venda, indicando práticas agrícolas.
Acima, no monte Umm al-Biyara, existiu uma grande cidadela que, provavelmente, era uma área administrativa ou palaciana de Petra. “Eles praticamente não deixaram registros escritos próprios”, diz Megan Perry, professora de antropologia na East Carolina University (EUA) e especialista na história de Petra, ao National Geographic.
Achados
Os arqueólogos continuam desenterrando a história de Petra. Lá, encontraram, em 2024, uma tumba de dois mil anos, localizada sob o Tesouro. Nela, havia 12 esqueletos.
Além disso, foram encontrados fragmentos de cerâmica e um dos esqueletos segurava o que parecia ser um cálice cerâmico. Os sedimentos onde houve o achado foram datados de entre o século I a.C. e o início do século II d.C., apontou Tim Kinnaird, pesquisador da Escola de Ciências da Terra e Ambientais da Universidade de St. Andrews (Escócia).
Não se sabe ao certo a identidade das 12 pessoas. A descoberta aconteceu enquanto Richard Bates, geofísico da Universidade de St. Andrews, fazia um trabalho de sensoriamento remoto.
O professor do Centro de Pesquisa em Arqueologia e Patrimônio da Universidade Livre de Bruxelas (Bélgica) Laurent Tholbecq explica que, há cerca de 20 anos, duas tumbas similares foram encontradas na região.
Para Perry, o achado de 2024 foi supervalorizado, pois uma tumba escavada em 2003, junto a outras encontradas na cidade perdida, continham muito mais indivíduos.
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Nabateus: vida e obra
A vida dos nabateus era encarada como algo breve: “Eles encaravam a vida como uma curta jornada.”, diz Al-Salameen. Alguns historiadores acreditam que esse povo passou a ser formado no século IV a.C. a partir de tribos árabes que começaram a perceber que era melhor vender suas mercadorias aos viajantes do que saqueá-los.
Sua língua era o aramaico e inscrições funerárias encontradas na região explicam quem podia ser sepultado em cada túmulo. Havia, ainda, listas de punições e maldições contra quem as violasse. Outras traziam eram usadas como uma espécie de livro de visitas para viajantes, podendo conter um nome e uma súplica a divindades.
Com essas informações, os pesquisadores definem os nabateus como politeístas. Entre seus deuses, estavam Dushara (o principal; masculino e associado a Zeus) e Allat (deusa ligada à fertilidade, que, posteriormente, passou a ser representada como Afrodite).
Originalmente, esses deuses eram representados de forma abstrata (geometricamente) em blocos de pedra denominados bétilos. Com o passar do tempo, eles começaram a criar representações antropomórficas e humanas, inclusive sob a influência greco-romana, além da indiana.
Contudo, os nabateus não eram conhecidos somente por suas especiarias e habilidades. Eles juntaram, ao seu estilo, a arquitetura helenística, com frontões, colunas coríntias e motivos florais nas fachadas esculpidas nas rochas.
Eles também faziam cerâmica fina, conhecida como “Nabatean Fine“. Eles são vasos delgados, meio avermelhados e alguns foram levados à Roma como especiaria de exportação.
Escavações realizadas na região também apontaram que os nabateus tinham uma dieta com frutas, grãos, carnes e peixes advindos do Mar Morto. Também existiam vestígios de banquetes funerários, contendo ossos de animais, o que pode indicar que a comida também tinha papel cerimonial. “Temos muitas evidências de banquetes nabateus”, conta Perry.
Quando falamos da orientação política dos nabateus, eles eram orientados a um sistema sem sucessão hereditária, até que a dinastia real foi implementada em 168 a.C., com o primeiro rei da história de Petra, Aretas I. Chegaram a travar várias guerras contra os judeus, que ficavam na margem oposta do Mar Morto.
Já Obodas I (96 a.C. – 86 a.C.) foi bem-sucedido nas conquistas. Ele obteve parte da Síria, onde batizou uma cidade e a deificou. Aretas III (86 a.C. – 62 a.C.), seu sucessor, foi um dos primeiros nabateus a ter contato com a cultura helênica durante a ocupação de Damasco (Síria), adotando o título de Philhellene, o amante dos gregos.
Um dos mais poderosos reis de Petra foi Aretas IV, que citamos há alguns parágrafos, cujas construções foram monumentais. Existia, ainda, um conselho, chamado Gerúsia (que também esteve presente em outras culturas, como a dos espartanos). Ele participava das decisões administrativas com o rei.
Após Aretas III, a cultura nabateusa se confunde com a dos romanos, que foram tanto aliados, como inimigos. Um exemplo foi durante o reinado de Cleópatra no Egito, quando, em 31 a.C., o imperador nabateu Malichos I queimou os navios da rainha egípcia, que estavam tentando cruzar o Mediterrâneo — eles estavam em fuga. Esse ato pôs fim à batalha de Actium, na qual o imperador romano Marco Antônio (83 a.C. – 30 a.C.) foi vencido por Otávio e fez com que Cleópatra se suicidasse.
Quanto ao sistema familiar, organização, relação com divindades, como ganhavam a vida e demais costumes, é algo ainda incerto e alvo de pesquisas e investigações. Até hoje, as informações que existem sobre o povo nabateu vieram de documentos comerciais em papiro e pelas estruturas que permanecem de pé.
As pesquisas genéticas realizadas nos esqueletos encontrados na região mostram origens mistas: árabes, levantinos e, inclusive, povos do Cáucaso. Isso é de se imaginar, pois os moradores de Petra viveram no caminho das rotas comerciais. Ainda assim, “há centenas de perguntas ainda sem resposta“, pontua Al-Salameen.
Os nabateus também tinham um grande trunfo: sabiam montar em camelos, o que lhes dava vantagem ante a seus adversários, que só sabiam montar em cavalos.
Segundo o Aventuras na História, no século III a.C., o então rei da Macedônia, Dóson, tentou tomar a cidade. Os gregos tentaram realizar o feito montando em cavalos, mas não obtiveram sucesso, pois os nabateus e os camelos já estavam adaptados à vida no deserto jordaniano. Vale lembrar que esses animais podem ficar até sete dias sem água, podendo ficar ainda mais, caso permaneçam inativos.
Declínio e fim
A sorte dos nabateus começou a mudar em 20 d.C., quando o grego Hipalo achou um caminho via mar para o Oriente, acabando com o monopólio do povo de Petra na chamada Rota do Incenso.
Essa crise econômica que assolou a cidade coincidiu com disputas entre judeus e romanos, precipitando sua decadência. “No fim do século I d.C,. o reinado dos nabateus era a única peça que faltava no quebra-cabeça romano do Oriente Médio”, afirma Jane Taylor em seu livro “Petra and the Lost Kingdom of the Nabataeans” (“Petra e o reino perdido dos nabateus”, em tradução livre).
Os romanos anexaram Petra a seu território em 106 d.C., fazendo com que o idioma aramaico fosse substituído pelo latim e pelo grego (dos bizantinos).
Mas o efetivo “início do fim” de Petra se deu com um terremoto em 363 d.C. Ele destruiu boa parte dos espaços da cidade, inclusive, o sofisticado sistema hidráulico. Em 551 d.C., outro tremor de terra agravou as infraestruturas locais, especialmente o sistema de captação de água.
Isso fez com que a população passasse a deixar a cidade gradativamente, indo morar em assentamentos próximos às nascentes, até que ela virou uma cidade fantasma. Al-Salameen explica que esse [terremotos] “foi um dos motivos para o abandono geral da cidade”.
Em maio deste ano, Petra enfrentou outro fenômeno climático (com vítimas fatais). Uma enchente repentina atingiu o sul da Jordânia, chegando à antiga cidade. No momento do acontecido, centenas de turistas a visitavam e precisaram ser evacuados. Na região toda, foram cerca de 1,8 mil. Contudo, os corpos de duas pessoas — mãe e filho belgas — foram encontrados durante as buscas. Abaixo, veja um breve vídeo da enchente:
Redescoberta
Petra foi redescoberta em 1812 pelo aventureiro suíço Johann Burckhart. Para chegar até lá, ele precisou se disfarçar de peregrino muçulmano para que um guia beduíno o levasse à região.
Além disso, segundo a DW, para convencer o guia, ele afirmou que sacrificaria uma cabra no túmulo de Aaron, que fica a quatro quilômetros de Petra. Seus relatos foram publicados pela Assosiação Africana Britânica, em inglês, entre 1819 e 1831.
Até então, ela estava perdida e até se pensava que era uma lenda. “Após a Idade Média, não houve mais registro sobre Petra, envolta em uma névoa de mistérios. A população local escondia a região, porque acreditava que ali havia um tesouro“, explica a arqueóloga Martha Sharp Joukowsky.
No século em que foi redescoberta (século XIX), tudo que tínhamos sobre a cidade perdida eram relatos antigos, que, até hoje, não são compovadamente sobre Petra.
Mais de 100 anos após a redescoberta da cidade, Thomas Edward Lawrence (o famoso Lawrence da Arábia) apontou em seu livro “Os Sete Pilares da Sabedoria” que “Petra é o lugar mais magnífico do mundo“. As explorações arqueológicas das belas ruínas da região começaram na década de 1920 e permanecem até hoje.
Em 1985, foi reconhecida como Patrimônio Mundial da UNESCO e, em 1989, estreou nos cinemas em “Indiana Jones e a Última Cruzada“. No longa, foi lá que o Santo Graal foi encontrado.
Contudo, boa parte da cidade está esperando para ser explorada e redescoberta. Isso porque as áreas residenciais, estruturas administrativas e parte das vias estão soterradas. Até o momento, a área central de Petra teve apenas 2% escavado. Mas, nesse pequeno percentual, já existem 800 construções encontradas.
“Se você quiser visitar Petra, não conseguirá conhecê-la em um único dia“, afirma Al-Salameen, natural da região e que passou boa parte de sua juventude explorando-a. “Você verá uma cidade viva diante de si”, prossegue.
O que são cidades perdidas
“O termo ‘cidade perdida’ costuma designar locais com um número significativo de construções feitas com materiais não perecíveis, cuja localização permaneceu desconhecida por longos períodos para os pesquisadores”, explica o professor doutor Ângelo Alves Corrêa, do curso de Arqueologia da Universidade Federal do Piauí (UFPI) ao Olhar Digital.
O abandono dessas cidades resultou tanto de fatores climáticos, como secas, quanto sociais, como conflitos, migrações e reorganizações territoriais. Em alguns casos, mudanças ideológicas também influenciaram, com populações questionando a autoridade de nobres ou reis e buscando formas de vida mais autônomas. Esses processos graduais levaram ao esquecimento de antigas cidades, muitas vezes cobertas pela vegetação ou soterradas.
Corrêa explica que a ideia de “cidade perdida” ganhou força nos séculos XIX e XX, em meio ao avanço do colonialismo europeu, do imperialismo e do surgimento da arqueologia como disciplina científica.
Esse imaginário foi alimentado por narrativas de exploração e descoberta, muitas vezes romantizadas, que ignoravam o fato de que esses locais nunca estiveram realmente perdidos. “As populações locais sempre souberam de sua existência, utilizando-os como áreas de cultivo, pastagem ou como fonte de materiais para construção”.
O post Conheça Petra, a cidade perdida esculpida em rochas apareceu primeiro em Olhar Digital.




