Os foguetes são sistemas complexos que envolvem múltiplas etapas e tecnologias para garantir que cada missão alcance seus objetivos. O que costuma passar despercebido é a enorme quantidade de água liberada segundos antes da decolagem.
Esse recurso, usado em volumes que podem ultrapassar 1 milhão de litros, tem funções essenciais para manter a estrutura segura e evitar danos ao próprio veículo espacial.
O engenheiro aeroespacial Juan Pablo de Lima Costa Salazar, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), explica que o sistema de dilúvio trabalha em duas frentes fundamentais.
“A água protege a base contra as temperaturas extremas e ajuda a controlar o barulho gerado no momento da decolagem. O volume é grande porque a quantidade de energia liberada durante o lançamento de um foguete é enorme”, afirma Salazar.
Para dar a dimensão dessa força, o especialista cita o Starship, da SpaceX, que chega a gerar cerca de 240 gigawatts de potência durante a decolagem. Em termos simples, é energia suficiente para produzir, em poucos minutos, várias vezes o que a usina de Itaipu gera funcionando a plena capacidade.
“Em um dos voos, essa energia foi suficiente para disparar alarmes de carros a 15 quilômetros de distância e até quebrar ovos de pássaros próximos à base”, comenta.
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Como a água reduz o impacto do barulho extremo
A pressão acústica produzida pelos motores pode ultrapassar 180 decibéis, nível é bem acima do limiar da dor auditiva para a maioria das pessoas (de aproximadamente 120 dB a 130 dB). Em uma comparação direta, é muito maior do que o barulho de um avião decolando ou de um show com caixas potentes. Para lidar com esse ruído extremo, uma quantidade massiva de água é liberada sobre a plataforma.
O engenheiro aeroespacial Gustavo Luiz Olichevis Halila, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), explica que o sistema transforma parte dessa energia sonora em calor e forma uma grande nuvem de vapor que absorve e desvia as ondas refletidas no solo.
“A água serve, principalmente, para absorver e dissipar a energia acústica gerada pelos motores do foguete. Essa estratégia reduz vibrações, protege a estrutura e evita falhas que poderiam comprometer toda a missão”, aponta Halila.
Além do barulho direto dos motores, a energia sonora também se espalha pela própria estrutura do foguete. O professor Artur Bertoldi, da Universidade de Brasília (UnB), alerta que o ruído se propaga por gases, sólidos e líquidos, afetando diferentes componentes.
Dentro da coifa, estrutura que abriga a carga útil — que pode ser um satélite, um telescópio ou qualquer equipamento que justifica a missão — as ondas sonoras podem bater nas paredes internas e voltar várias vezes, aumentando vibrações indesejadas.
“O sistema de supressão sonora tem como função principal mitigar esse efeito”, afirma. A água é uma das técnicas usadas, mas não a única. Segundo o especialista, materiais absorvedores, defletores de chama e configurações específicas da plataforma também ajudam a proteger o foguete.
Quanto dessa água é recuperada?
Usar tanta água de uma só vez levanta questões sobre desperdício e impacto ambiental. Nem tudo, porém, vai embora. Artur Bertoldi explica que parte do volume pode ser tratada e reaproveitada, dependendo da infraestrutura da base e das normas locais.
“Uma parcela evapora rapidamente por causa do calor, outra se perde naturalmente e parte pode ficar contaminada por resíduos dos propelentes, exigindo tratamento antes de retornar aos tanques ou ao ambiente”, diz o professor da UnB.
Quando se olha o número total, a quantidade chama atenção, mas representa uma fração pequena do consumo global de água. Juan Pablo destaca que, mesmo considerando mais de 250 lançamentos por ano, o volume usado seria equivalente a 0,00001% da água doce utilizada mundialmente.
“É um valor comparável a cerca de 160 piscinas olímpicas, ou ao que um único data center de grande porte usa para resfriamento em um ano”, esclarece.
A preocupação maior, portanto, não está na quantidade, mas na possibilidade de contaminação, especialmente em lançamentos que utilizam propelentes sólidos.
Existem alternativas ao uso de água?
Embora diferentes agências espaciais façam adaptações em suas plataformas, o princípio geral se mantém. O engenheiro aeroespacial Matheus Borges Sampaio, também da UnB, afirma que a combinação de sistema de dilúvio com defletores é praticamente um padrão mundial.
“Existem variações e pesquisas com espumas e materiais mais resistentes, mas nada substitui a água com a mesma simplicidade para foguetes de alto empuxo”, explica.
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