Um estudo publicado na revista Scientific Reports, em 19 de novembro, analisou fragmentos de ossos encontrados na caverna de Goyet, no sul da Bélgica, e mostrou que mulheres adultas e crianças foram alvo de um canibalismo seletivo ocorrido há cerca de 45 mil anos.
Os pesquisadores conseguiram identificar pela primeira vez o perfil biológico das vítimas, o que ajudou a entender melhor o que aconteceu naquele cenário.
As análises indicam que essas pessoas vinham de fora da comunidade local. A conclusão veio de uma combinação de dados genéticos, químicos e morfológicos que aponta para origens geográficas diferentes daquelas associadas ao grupo que ocupava Goyet.
Isso reforça a interpretação de que elas foram levadas até o local e consumidas como alimento, e não em um contexto de ritual, já que as marcas observadas nos ossos são semelhantes às deixadas no processamento de animais caçados.
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Como os pesquisadores chegaram às vítimas
O conjunto de ossos da caverna de Goyet é conhecido desde o fim do século 19, mas a compreensão de sua origem só avançou nos últimos anos. Uma nova etapa de estudo permitiu remontar parte dos fragmentos e identificar que eles pertenciam a pelo menos seis neandertais.
A reconstituição mostrou que quatro eram mulheres adultas ou adolescentes e dois eram meninos. As mulheres não eram aparentadas entre si e apresentavam estatura mais baixa e estrutura física mais leve do que o padrão observado em outras populações neandertais.
A forma como os corpos chegaram à caverna segue sendo investigada. Os fragmentos encontrados correspondem principalmente às pernas das vítimas, o que levanta hipóteses sobre o transporte e o processamento dos cadáveres.
Os pesquisadores consideram mais provável que essas pessoas tenham sido levadas vivas até a região ou mortas nas proximidades, com apenas partes selecionadas dos corpos depositadas na câmara estudada.
A equipe também cruzou essas informações com análises isotópicas realizadas anteriormente. Os resultados mostram que todos os indivíduos tinham uma dieta semelhante, mas cresceram em regiões distintas da área em que morreram. Combinados, os sinais genéticos, químicos e físicos permitem afirmar que eram forasteiros e que provavelmente foram capturados por outro grupo.
Indícios de conflitos entre grupos
A pesquisa sugere que esse caso se encaixa no conceito de exocanibalismo, quando membros de um grupo consomem indivíduos de outra comunidade. Para os autores, a seleção de mulheres e crianças não parece acidental.
O padrão encontrado nos ossos reforça que houve intenção na escolha das vítimas, possivelmente relacionada à dinâmica de conflitos e à competição por território ou recursos.
O período dessas ocorrências foi marcado por mudanças profundas no norte da Europa. Segundo os autores, havia grande diversidade cultural entre os próprios neandertais e a presença crescente do Homo sapiens em áreas vizinhas. O contato entre grupos distintos pode ter gerado tensões, especialmente se eram vistos como rivais.
Como os neandertais de Goyet estão entre os últimos da região, esse cenário pode ter contribuído para a redução dessas populações.
Ainda não está claro quem consumiu os seis indivíduos. Evidências de canibalismo ritual aparecem com mais frequência em contextos associados aos primeiros Homo sapiens, enquanto sinais de canibalismo de sobrevivência são mais comuns em sítios neandertais da França e da Croácia.
Mesmo assim, o conjunto de Goyet é considerado hoje como uma das evidências mais fortes de conflitos entre grupos de neandertais no fim do Pleistoceno.
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