Lançamento histórico de foguete da China desafia domínio da SpaceX

Um dos maiores diferenciais da SpaceX é a capacidade de reutilizar foguetes, algo que a empresa mostrou ser possível em 2015, ao realizar o primeiro pouso bem-sucedido de um Falcon 9 após o lançamento. Desde então, a empresa acumulou centenas de recuperações e relançamentos, reduzindo custos e acelerando o ritmo de missões. Esse modelo de operação virou referência mundial e estimulou a concorrência no mercado global.

A China é um dos países que responde a esse desafio com investimentos fortes em veículos reutilizáveis. Hoje, há três foguetes chineses alinhados para tentar voos orbitais com recuperação do primeiro estágio – todos prontos para decolar do Centro de Lançamento de Satélites de Jiuquan, no noroeste do país. Entre eles, o Zhuque-3 concentra as atenções: pelas movimentações das últimas semanas, é o que parece estar mais próximo de inaugurar a era da reutilização orbital chinesa.

De acordo com o site SpaceNews, a empresa LandSpace, responsável pelo Zhuque-3,  vem se preparando para tentar o primeiro lançamento orbital com pouso do propulsor chinês já neste fim de semana – embora não haja confirmação oficial de data ou horário. O foguete foi colocado na posição de voo em Jiuquan no fim do mês passado e testes importantes foram concluídos com sucesso.

O foguete Zhuque-3 Y1, da LandSpace, no Complexo de Lançamento 96B do Centro de Lançamento de Satélites de Jiuquan, em outubro de 2025. Crédito: LandSpace

Foguetes reutilizáveis da China têm tecnologia 100% nacional

Segundo o South China Morning Post, a expectativa é que ele realize uma missão completa: com inserção da carga útil em órbita baixa e, em seguida, a recuperação do primeiro estágio para uso futuro. O perfil de retorno inclui uma reentrada controlada com manobras aerodinâmicas guiadas por aletas grid fins (estruturas metálicas em formato de grade usadas para estabilizar e orientar o estágio durante a descida), seguida por uma queima de desaceleração para alinhar a trajetória final e uma queima de pouso utilizando um único motor, culminando no toque em quatro pernas retráteis. 

Embora o procedimento se assemelhe ao método consolidado pela SpaceX, a LandSpace desenvolveu sua própria abordagem: tanto os algoritmos de controle de voo quanto a estrutura do foguete, os materiais, os sistemas de navegação e a propulsão foram projetados internamente, sem reaproveitar a engenharia norte-americana – com o mesmo valendo para os outros dois veículos que estão no páreo em Jiuquan.

O Zhuque-3 teve uma campanha de testes intensa em pouco mais de dois anos. Em setembro de 2024, realizou um voo atmosférico de 10 km com religamento de motor para simular pouso. Fez também ensaios estáticos de motores de 45 segundos, incluindo testes com o segundo estágio acoplado, passos que aumentaram a confiança da LandSpace para avançar à tentativa orbital.

Os outros dois foguetes posicionados em Jiuquan são o Long March 12A, desenvolvido pela Academia de Tecnologia Aeroespacial de Xangai, e o Tianlong-3, da Space Pioneer. Os três foram projetados pensando em missões para constelações de internet e no objetivo estratégico da China de reduzir custos e aumentar a cadência de lançamentos.

O veículo de lançamento Long March 12A, da Academia de Tecnologia Aeroespacial de Xangai, sobre seu transportador no Centro de Lançamento de Satélites de Jiuquan. Crédito: Academia de Tecnologia Aeroespacial de Xangai (SAST)

Dois deles (Zhuque-3 e Long March 12A) planejam tentar pousos no voo inaugural, retornando a cerca de 400 km da plataforma de lançamento, onde bases de aterrissagem foram montadas recentemente. O Tianlong-3 também é reutilizável no desenho, mas não se espera que tente pouso na missão inicial. 

A LandSpace afirmou ter concluído ensaios de abastecimento e um teste completo de ignição em Jiuquan, mas o lançamento do Zhuque-3 já sofreu adiamentos – o mais recente deles após um incidente com detritos na estação Tiangong – e a empresa não confirmou janelas específicas. Observadores têm publicado imagens de movimentação na base, o que alimenta especulações, porém sem confirmação oficial.

As plataformas de pouso do Zhuque-3 e do Long March 12A foram finalizadas nas últimas semanas, incluindo sistemas de segurança e supressão de incêndio para o momento do toque. Se um dos voos for bem-sucedido, será um marco: a China se tornaria o segundo país a pousar com sucesso um propulsor orbital, depois dos EUA, que já realizaram pousos com o Falcon 9 e seus boosters derivados usados no Falcon Heavy, além do New Glenn, da Blue Origin, que estreou este mês.

O foguete Tianlong-3 Y1, da Space Pioneer, posicionado em sua plataforma no Centro de Lançamento de Satélites de Jiuquan. Crédito: Space Pioneer

Diferenças entre os concorrentes chineses

O foguete Zhuque-3 tem 66 metros de altura, 4,5 metros de diâmetro e é construído em aço inoxidável. Seu primeiro estágio usa nove motores Tianque-12A e foi desenhado para ser reutilizado pelo menos 20 vezes. Em configuração reutilizável, pode levar cerca de 18 toneladas à órbita baixa, capacidade compatível com lançamentos de múltiplos pequenos satélites.

O Long March 12A é uma evolução do Long March 12 movido a querosene; a versão 12A usa metano e oxigênio líquidos e foi redesenhada com foco na reutilização, transportando cerca de 12 toneladas para a órbita baixa. O Tianlong-3, também projetado para metano, ocupa posição intermediária em capacidade e perfil de missão, com ênfase em operações comerciais.

A corrida pelo “primeiro pouso” também envolve prestígio dentro da própria China. De um lado, estão as gigantes estatais, que têm influência política e querem ser as primeiras a conseguir o feito. Do outro, estão as empresas privadas, como a LandSpace e a Space Pioneer, que tentam provar sua competência tecnológica para conquistar contratos e se destacar no mercado internacional de lançamentos.

Leia mais:

Themis: o protótipo que pode abrir era de foguetes ‘estilo SpaceX’ na Europa

Primeiro foguete orbital da Austrália cai poucos segundos depois de decolar

Foguete da SpaceX cria anel semelhante a uma nebulosa no céu

China pode ter seu próprio megafoguete Starship

Nas redes sociais, os debates ganharam “lenha na fogueira” quando Elon Musk afirmou que, mesmo com um pouso bem-sucedido, a China ainda precisará de “muitos anos” para superar a SpaceX. Segundo ele, a dificuldade não está apenas em recuperar o estágio, mas em repetir o feito dezenas de vezes sem falhas – algo que a SpaceX levou quase uma década para dominar.

A LandSpace também desenvolve um projeto mais ambicioso: o Zhuque-X, um foguete de grande porte que pretende ser comparável ao Starship. Isso significa maior capacidade de carga, estrutura muito mais robusta e motores capazes de entregar enormes níveis de empuxo. O planalto central desse projeto é o novo motor Lanyan-20, que já realizou dezenas de testes de ignição. No entanto, todo o sistema ainda está nas etapas iniciais e deve levar alguns anos até atingir maturidade para um voo orbital.

Com três foguetes prestes a estrear e toda a atenção voltada para Jiuquan, a China mostra que entrou de vez na disputa pela reutilização orbital. Agora, resta apenas a confirmação oficial das datas de lançamento para descobrirmos qual deles abrirá as portas para essa nova etapa e fará o país dar seu primeiro passo para se aproximar do modelo de operação que hoje lidera o mercado.

O post Lançamento histórico de foguete da China desafia domínio da SpaceX apareceu primeiro em Olhar Digital.