A conversa sobre carreira mudou. Crescer profissionalmente já não significa, necessariamente, dar conta de tudo, trabalhar até tarde e assumir cada vez mais responsabilidades. Os trabalhadores brasileiros estão revendo seus limites — e as empresas também.
Uma pesquisa do Índice de Confiança do Trabalhador, do LinkedIn, mostra essa guinada: dois em cada cinco profissionais planejam mudar de cargo ou emprego até o fim do ano.
Segundo os dados, 18% querem deixar a empresa atual, enquanto 22% desejam permanecer onde estão, mas assumindo novas funções. O salto mais impressionante aparece na chamada mobilidade interna: de 2% em 2023 para 22% em 2025. Cada vez mais gente quer evoluir dentro da própria organização, sem necessariamente trocar de ambiente.
Ao mesmo tempo, cresce a preocupação com o peso emocional das oportunidades. O estudo global Talent Trends, da consultoria Michael Page, revela que 56% dos brasileiros recusariam uma promoção que colocasse a saúde mental em risco. Ou seja: ambição e autocuidado agora caminham juntos, e qualquer movimento de carreira passa por esse equilíbrio.
Para Rennan Vilar, diretor de Pessoas e Cultura do Grupo TODOS Internacional, esse cenário mostra que o mundo do trabalho está se reorganizando. “As pessoas não querem crescer na carreira a custo da vida pessoal e da saúde mental. Hoje, desenvolvimento profissional não pode ser confundido com jornadas insustentáveis, e quando um colaborador precisa sacrificar sua saúde para entregar resultado, não estamos falando de desempenho, mas de um modelo de gestão que precisa ser revisto”, afirma.
Quando o crescimento começa a virar peso
A linha que separa desafio saudável e exaustão pode ser fina. Segundo Vilar, basta observar algumas mudanças de comportamento que acendem alertas importantes. Entre os sinais que indicam que o desenvolvimento pode ter virado sobrecarga, ele cita:
• queda na qualidade de tarefas simples ou já dominadas
• retrabalhos constantes e dificuldades em priorizar
• afastamento de reuniões e trocas com o time
• confusão sobre o que realmente é urgente
• mais tempo para concluir atividades que antes eram rápidas
Para o executivo, esses sintomas indicam que a pessoa saiu do modo aprendizado e entrou no modo sobrevivência. “Crescimento exige esforço, mas também propósito, direção e clareza. Quando o profissional começa a perder esses três elementos, ele deixa de se desenvolver e passa a apenas reagir ao volume”, explica.
Ele acrescenta que o que diferencia desafio de sobrecarga é o sentido que o profissional atribui ao esforço. “Desafio é quando você vê progresso e entende por que está avançando. Sobrecarga é quando o esforço cresce, mas o resultado, pessoal ou profissional, não acompanha.”
Cultura da empresa
Na avaliação de Rennan, o ambiente onde o profissional está inserido tem impacto direto na saúde emocional e no sucesso da carreira. E não é apenas a quantidade de tarefas que determina isso, mas sim a forma como a empresa organiza o trabalho e trata seus times.
“Culturas onde o erro é tratado como falha pessoal, onde metas mudam a todo instante ou onde a urgência se torna o padrão tendem a produzir sobrecarga, mesmo com equipes talentosas”, afirma.
Para ele, três pilares definem se uma cultura favorece crescimento sustentável ou exaustão:
• clareza: equipes que sabem o que é prioridade usam melhor a própria energia
• ritmo saudável: ciclos de trabalho previsíveis evitam retrabalho e excesso de urgência
• segurança psicológica: pedir ajuda, renegociar prazos e admitir dificuldades sem medo reduz drasticamente o risco de burnout
“A cultura não é e não deve ser um discurso. É a soma dos comportamentos que a liderança reforça no dia a dia. Quando o líder cobra apenas entrega, sem orientar o caminho, ele empurra a equipe para a sobrecarga. Por outro lado, quando cobra resultado, mas oferece suporte, ele cria espaço para o crescimento”, destaca o diretor.
E quando o desgaste já começou?
Perceber os sinais cedo ajuda a evitar que o esgotamento avance. Rennan recomenda agir antes que o limite seja atingido. Ele aponta quatro ações práticas que ajudam a reorganizar o trabalho:
• conversas diretas e transparentes com a liderança para redefinir prioridades
• limpeza da agenda, retirando o que não é essencial
• redistribuição de responsabilidades, incluindo automação do que for possível
• intervalos intencionais, que ajudam a recuperar foco e aliviar a sensação de acúmulo
Como saber se você está acumulando exaustão no trabalho? Foto: FreePik
Segundo o executivo, esse processo precisa do apoio da liderança. “Quando a pessoa sinaliza que está chegando no limite, o gestor precisa agir rapidamente. O papel da liderança é ajustar a rota e proteger o time, e isso é parte estratégica da gestão de pessoas”, afirma.
Como construir um caminho de crescimento que não adoece
Para que o desenvolvimento seja constante, mas sustentável, Vilar defende algumas práticas essenciais:
• metas realistas e revisadas periodicamente
• tecnologia como aliada, reduzindo tempo gasto com tarefas operacionais
• feedbacks contínuos, que evitam acúmulo de tensões
• programas de desenvolvimento alinhados ao plano de carreira
“Desenvolvimento sustentável significa crescer com consistência. Não adianta acelerar entregas por três meses se isso custa a saúde do time por três anos”, conclui.
Resumo:
Crescer profissionalmente não precisa — e não deve — significar ultrapassar limites emocionais. Pesquisas recentes mostram que os trabalhadores brasileiros buscam evoluir, mas querem preservar a saúde mental.
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