A observação da Via Láctea sempre esbarrou em um limite conhecido pelos astrônomos: estamos dentro dela. Essa posição impede que tenhamos uma visão completa da estrutura da galáxia, o que dificulta a definição precisa de quantos braços espirais existem e como eles se organizam. Agora, um novo método de mapeamento promete reduzir essas incertezas ao analisar a galáxia de dentro para fora, a partir da composição química das estrelas.
O estudo, publicado em Astronomy & Astrophysics, combina dados do terceiro catálogo da missão Gaia, da Agência Espacial Europeia, com análises espectroscópicas do Observatório Europeu do Sul. Essa abordagem adiciona informações sobre abundâncias químicas ao mapa já produzido pela Gaia, cujos dados completos ainda estão passando por avaliação.
Como o mapa químico foi construído
A equipe responsável investigou os “impressões químicas” das estrelas, identificando sua composição a partir da luz emitida. Em vez de observar apenas a posição ou densidade estelar, os pesquisadores analisaram elementos presentes nas estrelas para rastrear estruturas que até então permaneciam ocultas pela poeira cósmica do centro galáctico.
Com isso, foi possível examinar trechos dos braços espirais Scutum e Sagittarius, regiões voltadas para o centro da Via Láctea. O método revelou até um espinha (spur) que conecta esses dois braços — uma estrutura inédita, nunca registrada por técnicas tradicionais.
Em nota enviada ao IFLScience, o autor principal, Dr. Carlos Viscasillas Vázquez, da Universidade de Vilnius, comentou que “nuvens densas de poeira obscurecem nossa visão do centro galáctico e métodos tradicionais mostram apenas parte da estrutura”. O trabalho avaliou se a composição química poderia oferecer melhores respostas. “Não sabíamos se funcionaria com outro conjunto de dados, mas funcionou. Conseguimos ver os braços até em uma perspectiva vertical”, afirmou o pesquisador.
O que o novo mapa revela?
Segundo a equipe, pequenas diferenças nas abundâncias químicas deixaram mais claras as formas dos braços espirais. A pesquisadora Dr. Laura Magrini, do Observatório de Arcetri, na Itália, destacou que a nova técnica permitiu visualizar detalhes que permaneceriam ocultos: “As diferenças químicas fizeram os braços emergirem com clareza”.
Os dados mostram ainda que os braços influenciam a formação estelar. Embora estrelas migrem para dentro e para fora dessas regiões mais densas, elas carregam assinaturas químicas que ajudam a rastrear sua origem. O grupo de pesquisa também mencionou o trabalho de Dr. Elisa Poggio, que identificou uma grande onda atravessando a galáxia, contribuindo para o entendimento da dinâmica interna da Via Láctea.
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Entender a galáxia continua um desafio
Viscasillas Vázquez comparou a tarefa de observar a Via Láctea a caminhar no centro de uma cidade iluminada à noite. Quando se olha para fora, a paisagem se torna mais fácil de decifrar; ao mirar o centro, o cenário se torna complexo e sobreposto. “Tudo vira um borrão de luzes e movimentos, difícil de separar”, afirmou.
Apesar de avanços trazidos pela missão Gaia e por observatórios complementares, limitações ainda persistem. Uma missão sucessora para a sonda já foi proposta, com potencial para medir bilhões de estrelas adicionais. Até lá, o novo método químico representa um avanço importante para decifrar a estrutura da galáxia em que vivemos.
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