Nordic nap: conheça a tradição que deixa bebês dormindo no frio

Imagine só: você teve filho há pouco tempo, precisa ir ao supermercado fazer umas comprinhas e não tem ninguém para cuidar da cria. Uma situação complicada, não é mesmo? Mas, de acordo com as tradições nórdicas, não. Em países como Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia, é costume levar os bebês consigo e deixá-los dormindo fora dos estabelecimentos, enquanto os pais seguem a rotina.

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Pode parecer estranho e até um descuido, mas muito pelo contrário: na verdade, a nordic nap (soneca nórdica, na tradução em inglês) é uma forma de cuidado adaptada ao clima frio desses países. Além de ajudar a regular o sono dos bebês, a prática auxilia no desenvolvimento cognitivo e melhora o sistema imunológico, prevenindo contra doenças.

De acordo com o pesquisador Tiago de Oliveira Veloso Silva, a tradição é relativamente recente e parece ter surgido no início do século 20. A prática veio como uma medida de saúde pública criada por clínicas de maternidade nórdicas e difundida principalmente pelo famoso médico pediatra finlândes Arvo Ylppö em meados de 1920.

À época, as pessoas utilizavam muita lenha e carvão para se aquecer dentro de casa, tornando o ar mais poluído no interior da residência. Para evitar que as crianças o respirassem, a recomendação era colocá-las para dormir do lado de fora.

“A indicação deve ser entendida dentro do contexto histórico: o pós-Primeira Guerra Mundial, quando os países nórdicos estavam em uma situação econômica frágil e longe do conhecido modelo econômico atual. Além da fragilidade econômica, os países nórdicos, e também outros países europeus, enfrentavam uma crise de mortalidade infantil desde o século 19, cujas principais causa de morte eram problemas respiratórios, como bronquite ou pneumonia”, explica o doutorando da Universidade de Maynooth, na Irlanda.

Após a implementação, a taxa de mortalidade infantil reduziu drasticamente, criando confiança na ação e se tornando uma tradição que perdura até os dias atuais.

Segundo Silva, não há registros da prática ocorrendo durante períodos anteriores, quando as tradições médicas eram dominadas por crenças árabes ou gregas. “A nordic nap permanece sólida entre as famílias. As pequenas mudanças que ocorreram nestes 100 anos de prática têm mais relação com as roupas utilizadas pelos bebês e proteção térmica, o tempo fora de casa e as atitudes culturais e identitárias sobre a prática”, aponta o pesquisador.

A tradição nórdica na prática

Para quem vive no Brasil, se deparar com a tradição pode ser um choque de realidade muito grande e foi exatamente o que aconteceu com a brasileira Fernanda Jacometti, de 38 anos, que se mudou para a cidade de Hadsten, na Dinamarca, em 2022. Por lá, a advogada teve suas duas primeiras filhas e conheceu a soneca nórdica.

Quando lhe contaram a primeira vez da tradição, Fernanda achou curioso. Para ela, o frio não era o empecilho, já que as crianças sempre estavam bastante protegidas, mas a principal preocupação era a falta de supervisão. No entanto, por segurança os bebês são monitorados através de alarmes e rádios individuais.

“Quando me falaram a primeira vez eu não acreditei, tinha vontade de conferir dentro do carrinho se realmente tinha um bebê ali. Claro que não fiz isso, pois seria muito estranho”, conta.

No nascimento da primeira filha, ela relutou em usar a prática, mas aos poucos foi amadurecendo a ideia. Com o tempo, a pequena se também se acostumou a dormir do lado de fora no carrinho, pois era assim que funcionava nos maternais locais.

É necessário agasalhar bem a criança com luva, gorro, macacão de lã e um edredom bem quente. O carrinho também é especial para esse tipo de atividade. A recomendação é deixar os bebês dormindo fora de casa até no máximo -10°C.

Fernanda mostra como é o carrinho utilizado para soneca nórdica

Já na segunda gestação, a brasileira adotou a nordic nap desde os quatro meses de idade. Para Fernanda, além dos benefícios físicos, a prática ajuda a ter mais praticidade no dia a dia e para dar mais atenção a ambas filhas.

“Dá um pouco mais de flexibilidade para sair, passear ou ir aos supermercado, já que é só levar o carrinho. Também achei melhor porque consigo acompanhar a mais velha nos passeios e a mais novinha tira as sonecas no carrinho tranquilamente, pois já está acostumada”, diz a advogada.

Isso seria possível no Brasil?

Apesar de trazer benefícios para quem mora em países nórdicos, para a médica neonatologista pediatra Marta Rocha, a prática não traria nenhuma vantagem para bebês no Brasil devido a uma série de fatores externos, como poluição do ar, mais população de insetos e violência urbana.

“Bebês que respiram em ambientes urbanos, especialmente onde há maior poluição do ar, têm maior risco de desenvolver asma, brônquica e doenças respiratórias. Nosso país ainda tem uma população bem maior de insetos que aumentam o risco de doenças, como dengue e chikungunya”, afirma a especialista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília.

A recomendação por aqui é fazer ao contrário: proteger as crianças do ar poluído e de insetos perigosos. Em ambientes mais afetados pela poeira e gases poluentes, pode ser necessário o uso da nebulização para melhorar a respiração dos bebês.

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