O que a ciência diz sobre o “mundo invertido” de Stranger Things

O Mundo Invertido de Stranger Things parece científico, mas é, sobretudo, ficção. A estética sombria, os portais e a ideia de uma dimensão paralela tiveram inspiração inicial em conceitos reais da física moderna — especialmente a interpretação de muitos mundos, da mecânica quântica, e as dimensões extras, sugeridas por teorias matemáticas como a das cordas — porém, nenhuma delas descreve algo semelhante ao ambiente hostil da série.

O físico Sérgio Costa Ulhoa explica que a interpretação de muitos mundos nasceu para resolver paradoxos. “A ideia do multiverso é probabilística”, diz ele. Nessa visão, universos paralelos são caminhos diferentes tomados pela realidade — não fendas perigosas ligando dois mundos.

Além disso, o uso da palavra “dimensão” na cultura pop costuma gerar confusão. Para a física, dimensão é um eixo matemático, não um lugar que se possa visitar.

O que Stranger Things faz é transformar esse conceito abstrato em um cenário visual, criando a ideia de uma dimensão “escura” que coexiste com a nossa. Funciona narrativamente, mas não tem paralelo direto na ciência.

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A inspiração científica por trás do “mundo invertido”

O ponto da série que mais lembra a física real é a noção de ramificações da realidade, um conceito associado à interpretação de Everett: cada possibilidade quântica geraria um novo “ramo do universo”. Mas isso é apenas matemática aplicada a problemas teóricos — jamais observado na natureza.

Além disso, algumas teorias sugerem dimensões extras além das três que vivemos, mas elas seriam microscópicas e inacessíveis. O físico Gustavo Petronilo reforça esse ponto ao explicar que, na teoria das cordas, diferentes soluções matemáticas podem ser interpretadas como universos distintos, “com leis físicas diferentes das nossas”. Ainda assim, nada disso se parece com um mundo espelhado, biológico e habitável como o da série.

Outra inspiração indireta vem da própria história da ficção científica, que há décadas flerta com universos paralelos como metáfora para explorar decisões, medos e versões alternativas de nós mesmos.

A série costura essas ideias com elementos sobrenaturais, ampliando o impacto dramático — algo que não precisa seguir rigor científico, mas conversa com o imaginário popular.

Vecna, em Stranger Things

Portais, rachaduras e sinais eletromagnéticos

A série mostra bússolas girando, ambientes escurecidos e portais abrindo entre paredes. Para Ulhoa, atravessar universos exigiria “energia suficiente para deformar o espaço-tempo”, algo próximo dos buracos de minhoca — estruturas teóricas que nunca foram observadas e, até onde sabemos, seriam instáveis.

Petronilo reforça: não há qualquer fenômeno conhecido que transporte seres humanos entre universos. Mesmo hipóteses especulativas, como a gravidade “vazando” para outros universos, jamais foram detectadas.

Ou seja, o multiverso, mesmo que matematicamente possível, não fornece mecanismos reais para abrir portais. E vale lembrar: distorções eletromagnéticas, como bússolas apontando para lugares estranhos, não indicam portais entre universos — e sim campos magnéticos comuns, encontrados até em aparelhos domésticos.

A série exagera esses efeitos para criar tensão, mas não há base científica que ligue magnetismo a outras realidades. Apesar de estudarem áreas diferentes, Ulhoa e Petronilo convergem: o multiverso não é realidade científica, é hipótese especulativa.

E mesmo dentro dessa hipótese, o que Stranger Things mostra não tem base física. Universos paralelos, se existirem, não seriam versões sombrias do nosso mundo, nem interagiriam conosco.

A série usa conceitos reais como ponto de partida — ramificações quânticas, dimensões extras e buracos de minhoca — e os leva ao extremo narrativo, como toda boa ficção científica. O resultado é envolvente, mas distante da ciência.

No fim, o “mundo invertido” funciona muito mais como metáfora visual para explorar medo, isolamento e perigo do que como representação de qualquer ideia aceita pela física. E é justamente essa combinação de imaginação com pistas da ciência que torna Stranger Things tão atraente para o público.