O comércio de presas e chifres de elefantes e rinocerontes na África é um mercado bastante aquecido há muito tempo. As peças têm alta demanda, principalmente em mercados asiáticos, onde são valorizadas por crenças e medicinais tradicionais, além de serem símbolo de status e riqueza. Por isso, os dois animais sofrem bastante com a caça na região, tornando-os vulneráveis à extinção.
Leia também
Estudo prova que elefantes conseguem se comunicar por gestos
Rápidas e maiores que elefantes: conheça as preguiças-gigantes
África: mortes de 350 elefantes podem estar relacionadas a água tóxica
Presidente de Botsuana ameaça enviar 20 mil elefantes para a Alemanha
Para combater o problema, alguns grupos de conservação da vida selvagem de rinocerontes passaram a pintar os chifres para “danificar” a parte tão visada e afastar os caçadores. Inspirados na prática, projetos de conservação levantaram a possibilidade de aplicar a tinta também nos elefantes, mas a estratégia causa uma série de preocupações éticas, práticas e científicas.
“A pintura das presas é mais prejudicial do que benéfica aos elefantes. Além dos riscos aos indivíduos, seu efeito prático é duvidoso: caçadores determinados ainda poderiam matar o animal e tentar remover a tinta ou vender o marfim mesmo assim. O custo logístico também inviabiliza a técnica, já que o procedimento teria de ser repetido periodicamente conforme o marfim cresce”, aponta a professora de biologia Mayara Faleiro, do Colégio Católica Brasília.
As dificuldades já começam no início do processo: como é o maior mamífero terrestre, capturar e sedar um elefante não é nada fácil, exigindo grandes quantidades de anestesia, o que pode facilmente estressar o animal ou até causar sua morte.
Também há o risco das substâncias químicas presentes na tinta penetrarem nas presas, podendo causar dor e inflamação. Além disso, o contato intenso com humanos pode fazer com que o bicho selvagem fique vulnerável, se acostumando com as pessoas e, assim, se tornando presa mais fácil. “Embora a ideia seja bem-intencionada, ela não se mostrou adequada ou segura”, diz a bióloga.
Por que a prática pode funcionar com rinocerontes, mas com elefantes não?
Apesar de serem parecidos, chifres e presas têm composições distintas: enquanto a estrutura dos rinocerontes é feita de queratina – material semelhante ao das unhas humanas – e não tem nervos na parte externa, as presas de elefante representam seu dente incisivo. Ou seja, o local abriga a polpa dentária, sendo repleta de nervos e vasos sanguíneos.
“Perfurar o marfim causaria uma dor extrema ao animal, similar a uma exposição de canal dentário, além de abrir portas para infecções graves ou fatais. Existe ainda o risco de intoxicação, pois, diferente do chifre inerte, a presa tem conexão direta com a circulação sanguínea, permitindo que toxinas injetadas matem o elefante”, diz o professor de biologia Cristhian Gomes Tavares da Silva, da Rio International School, no Rio de Janeiro.
Segundo o biólogo, a maioria das imagens que rodam na internet são falsas, pois a prática só é aplicável em rinocerontes. “O que vemos sobre elefantes é um mito. Essas montagens viralizaram, mas nenhum projeto de conservação sério pinta ou injeta tinta nas presas de elefantes”, ressalta da Silva.
Métodos que realmente evitam a extinção dos animais
Para os especialistas entrevistados pelo Metrópoles, há uma posição clara: existem estratégias que funcionam muito mais do que pintar o marfim dos elefantes e até mesmo dos rinocerontes. Entre as principais, estão:
Uso de drones, sensores acústicos, câmeras térmicas e colares de GPS para monitoramento dos animais;
Realizar campanhas educativas que mobilizem a população na proteção dos animais;
Oferecer empregos para a população através de ecoturismo ou de programas de proteção ambiental;
Aumentar ações policiais especializadas no combate a caça;
Ter leis mais rígidas e criar parcerias de colaboração internacional.
Chifres e presas são itens valiosos no mercado internacional
“Estudos publicados em 2015 e 2018 mostraram que a incidência de caça furtiva está muito mais relacionada à condição social. Em locais com maior concentração de pobreza, há maior chance de ocorrer esse tipo de caça oportunista, na tentativa de obter algum recurso financeiro”, afirma o professor de biologia Fabricio Escarlate, do Centro Universitário de Brasília (Ceub).
Para ele, os resultados mostram claramente que políticas sociais voltadas à redução da pobreza seriam medidas muito mais eficazes no controle da caça do que pintar os dentes ou chifres dos animais.
Siga a editoria de Saúde e Ciência no Instagram e fique por dentro de tudo sobre o assunto!






