Como o cérebro da borboleta-monarca sente o campo magnético da Terra

Todos os anos, milhões de borboleta‑monarca percorrem milhares de quilômetros, saindo do Canadá e dos Estados Unidos rumo às florestas de oyamel no México. Elas nunca fizeram esse caminho antes e ainda assim chegam ao mesmo destino geração após geração. Como um inseto com um cérebro menor que um grão de arroz consegue realizar uma navegação tão precisa?

É essa pergunta que move uma série de experimentos descritos pelo The New York Times, envolvendo desde cirurgias cerebrais microscópicas até simuladores de voo ao ar livre. No centro da investigação está um dos sentidos menos compreendidos da biologia: a magnetorrecepção, a capacidade de detectar o campo magnético da Terra.

Sentido magnético das monarcas: o que os cientistas já sabem

Pesquisadores sabem há décadas que animais usam múltiplas “bússolas” internas para se orientar. Entre elas estão a posição do Sol, o padrão da luz polarizada no céu e referências visuais do ambiente. O campo magnético terrestre, porém, continua sendo o mais enigmático desses sinais.

Segundo o neurocientista David Dreyer, da Universidade de Lund, esse é praticamente o último sentido ainda sem explicação completa. “Entendemos como podemos sentir cheiros, como podemos ver, como podemos ouvir, mas não entendemos como os animais conseguem perceber o campo magnético”, disse.

No caso das monarcas, há consenso de que elas possuem uma bússola, mas não um mapa. Em outras palavras, sabem seguir uma direção (como sudoeste), mas não têm evidências de que saibam exatamente onde estão em relação ao destino.

A migração das borboletas-monarca é um acontecimento que atrai não apenas cientistas, mas também entusiastas da natureza. Neste vídeo, você pode visualizar uma aglomeração incrível de borboletas:

Cirurgia cerebral e voo controlado em campo aberto

Para investigar esse mecanismo, o neurobiólogo Robin Grob, da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, realiza um experimento extremo: inserir eletrodos ultrafinos diretamente no cérebro da borboleta.

Os sensores são implantados no complexo central, região ligada à orientação espacial. Depois da cirurgia, a monarca é levada cuidadosamente até um simulador de voo instalado ao ar livre, onde pode bater asas enquanto o campo magnético ao redor é controlado artificialmente. Qualquer movimento brusco pode inutilizar horas de trabalho.

A ideia, explica Basil el Jundi, é permitir que o inseto “acredite” que está migrando de verdade. “Se quisermos entender a migração, precisamos colocar os animais no estágio comportamental correto”, explicou o neurocientista da Universidade de Oldenburg, cujo laboratório projetou o experimento. 

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Genes, antenas e sensores invisíveis

Enquanto isso, outro grupo ataca o problema por um caminho diferente. A cronobióloga Christine Merlin investiga quais genes tornam possível a sensibilidade magnética. Em um estudo publicado na Nature Communications, ela mostrou que o gene CRY1 é essencial para essa resposta e que antenas e olhos participam da detecção do campo magnético.

Usando edição genética com CRISPR, sua equipe remove genes específicos e observa se as borboletas ainda conseguem se orientar. O objetivo é identificar a molécula exata onde ocorrem reações em nível quântico, algo que pode ter implicações tecnológicas no futuro.

Por que isso importa além das borboletas

Entender como a monarca navega pode ajudar a explicar a migração de aves, tartarugas marinhas e até levantar uma questão provocadora: será que humanos também possuem um senso magnético inconsciente?

Ilustração do campo magnético da Terra. Imagem: Mopic/Shutterstock

Para o neurocientista Steven Reppert, que estuda monarcas há mais de 20 anos, as respostas vão além da curiosidade científica. Elas podem inspirar sistemas de navegação independentes de satélites, úteis em situações em que o GPS falha.

Enquanto isso, cada experimento é uma aposta. Às vezes, os sinais cerebrais aparecem. Outras vezes, não. Mas quando surgem, podem revelar como um cérebro minúsculo lê um campo invisível e o transforma em uma jornada continental.

Como resume el Jundi, trata-se de uma grande aventura científica: começar no nível molecular, passar pelo cérebro e terminar entendendo como a vida encontra caminhos no planeta.

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