Como um “cometa de Natal” mudou o que se sabia sobre o espaço

Em 1758, na Alemanha, o fazendeiro e astrônomo amador Johann Georg Palitzsch enfrentava o frio do inverno para observar o céu, aguardando um visitante especial previsto para aparecer naquele ano. No dia 25 de dezembro, mesmo sofrendo com o vento gelado, ele viu uma luz surgindo no horizonte – um cometa, exatamente onde os cálculos indicavam.

O cometa observado por Palitzsch foi o 1P/Halley. Sim, ele mesmo, o famoso Cometa Halley. A grande revolução dessa observação foi que, pela primeira vez, alguém viu um cometa exatamente onde se previa. Até então, acreditava-se que esses corpos não tinham padrão, aparecendo e desaparecendo de forma aleatória no céu.

Em resumo:

Em 1758, um astrônomo na Alemanha viu o Cometa Halley no Natal, conforme estava previsto;

Seis décadas antes, Edmond Halley calculou o retorno do cometa usando gravidade;

Observações confirmaram que cometas seguem órbitas previsíveis;

Cometa influenciou ciência, arte e inspirou a Estrela de Belém;

Missão europeia em 1986 revelou núcleo e material orgânico do Halley;

Estudo de cometas ajuda a entender a origem do Sistema Solar e da vida.

Este era o Cometa Halley na última vez em que se aproximou da Terra, em 1986. Crédito: NASA
Crédito da imagem: NASA

Edmond Halley, astrônomo inglês, havia calculado 50 anos antes que o cometa descoberto por ele em 1682 retornaria em 1758. Usando registros históricos de avistamentos desde o século XIV, Halley percebeu que as passagens em 1531, 1607 e 1682 seguiam padrões orbitais semelhantes. De acordo com o site IFLScience, ele incorporou inclusive a influência gravitacional de Júpiter e Saturno em seus cálculos.

Palitzsch foi o primeiro a ver o retorno do cometa. Outros astrônomos, como Francis Williams, também registraram observações independentes. O sucesso confirmou que a lei da gravidade de Isaac Newton não se aplicava apenas aos planetas, mas também a cometas, abrindo caminho para prever o movimento de corpos celestes com dados suficientes.

Halley é o cometa mais observado da história

O Cometa Halley é único. Seu período orbital é de 75 a 76 anos, o que significa que uma pessoa pode vê-lo duas vezes na vida. Ele é o cometa mais observado de todos os tempos, aparecendo século após século ao longo dos períodos históricos.

A presença do cometa também marcou a arte e a cultura. A Estrela de Belém, representada em afrescos como “A Adoração dos Magos”, de Giotto, em 1305, é inspirada na passagem do Halley em 1301. O cometa, portanto, não só avançou o conhecimento científico, como também deixou sua marca na história humana e na tradição natalina.

Cometa Halley, em 1986. Crédito: ESA/Sociedade Max Planck, via NASA.gov

Apesar de ser conhecido, só no final do século XVII se percebeu que várias aparições do Halley eram do mesmo objeto. Halley, o descobridor, havia previsto corretamente o retorno em 1758, mas morreu em 1742, sem ver sua teoria confirmada. A observação de Palitzsch, naquela noite de Natal, foi a prova que consolidou Halley como pioneiro na previsão de cometas.

Séculos depois, em 1986, a passagem mais recente do cometa permitiu novas descobertas. A Agência Espacial Europeia (ESA) enviou a sonda Giotto, sua primeira missão ao espaço profundo, projetada para observar cometas. A espaçonave enfrentou gases e poeira liberados pelo Halley, mas conseguiu sobreviver e capturar imagens próximas de seu núcleo.

Giotto forneceu dados inéditos, inclusive sobre a composição do cometa e a primeira evidência de material orgânico em um corpo desse tipo. Essa missão mostrou que estudar cometas não é apenas possível, mas também fundamental para entender a origem do Sistema Solar e os elementos que podem ter contribuído para a vida na Terra.

O próximo retorno do Halley está previsto para 2061, prometendo ser mais próximo e brilhante do que em 1986. A passagem histórica de 1986, na verdade, foi uma das piores observações em dois mil anos, o que aumenta a expectativa para a próxima visita. Para astrônomos e entusiastas, o Halley continua sendo o cometa por excelência.

O que era a Estrela de Belém?

Como dito anteriormente, o Halley é comparado à Estrela de Belém. De acordo com o Evangelho de Mateus, três reis magos foram guiados até Jesus por uma estrela que parecia “parar” sobre o local do nascimento. O comportamento descrito na Bíblia é incomum para uma estrela, levantando dúvidas sobre a natureza astronômica do objeto.

Cientistas consideram várias hipóteses: alinhamentos de planetas, meteoros ou explosões estelares. No entanto, esses fenômenos não desaparecem de repente como a estrela bíblica teria feito. Mark Matney, cientista planetário da NASA, sugere que um cometa de longo período pode explicar a história. Cometas assim vêm da Nuvem de Oort, uma região gelada que envolve o Sistema Solar.

Segundo a crença cristã, a Estrela de Belém guiou os Três Reis Mago até o local de nascimento de Jesus. Crédito: Romolo Tavani – Shutterstock

Com a análise de registros antigos, Matney encontrou relatos de uma estrela estranha na China, no ano 5 a.C., que brilhou por mais de 70 dias. Calculando sua órbita, ele concluiu que um cometa poderia ter se movido de forma a parecer “parado” para observadores viajando de Jerusalém a Belém, explicando o relato bíblico de forma plausível.

Publicado no periódico Journal of the British Astronomical Association, o estudo mostra que a ideia de que nenhum objeto astronômico pode se comportar como a Estrela de Belém não é mais absoluta. Apesar de registros antigos serem imprecisos, os chineses documentaram eventos celestes de maneira confiável, incluindo passagens do Halley e explosões estelares, o que dá credibilidade à hipótese do cometa.

Ainda assim, Matney alerta em um comunicado que, sem evidências de outros observadores da época, a explicação permanece plausível, mas não comprovada. O que importa é que a história da Estrela de Belém abre espaço para interpretar relatos antigos com base na ciência moderna, mostrando como observações astronômicas podem se misturar a mitos e tradições.

Cometas sempre fascinaram a humanidade, ampliando nossa compreensão do cosmos, inspirando artistas e influenciando lendas e crenças. O retorno periódico do Halley indica que o espaço segue leis previsíveis, enquanto a Estrela de Belém mostra que fenômenos celestes podem ter sido observados de formas extraordinárias.

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Esses exemplos comprovam que a ciência e a história podem caminhar juntas. Ao estudar registros antigos e observar o céu, conseguimos unir fatos científicos a relatos culturais e religiosos, mostrando que o que parecia milagroso ou inexplicável muitas vezes tem uma explicação natural – e ainda assim, mantém seu encanto e mistério.

Cometas, sejam periódicos como o Halley ou de longo período como o possível responsável pela Estrela de Belém, continuam a nos ensinar sobre o Universo. Eles nos mostram que o cosmos é previsível, surpreendente e, acima de tudo, capaz de capturar a imaginação humana por milênios, ligando ciência, história e cultura em um único espetáculo celeste.

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