*O artigo foi escrito pela pesquisadora Ella Kellner, doutoranda em Ciências Biológicas da Universidade da Carolina do Norte, e publicado na plataforma The Conversation Brasil.
Você já esbarrou em uma teia de aranha durante uma caminhada? Ou já limpou teias de aranha na sua garagem? Você pode reconhecer a teia orbital como a clássica decoração de Halloween, ou as teias emaranhadas como vizinhas próximas dos seus bichinhos de poeira.
Esses são apenas dois dos muitos tipos de arquiteturas de teias de aranha, cada uma com uma estrutura única especialmente adaptada ao ambiente da aranha e à função pretendida da teia.
Embora muitas aranhas usem suas teias para capturar presas, elas também desenvolveram maneiras incomuns de usar sua seda, desde envolver seus ovos até agir como linhas de segurança que as seguram quando caem.
Como cientista de materiais que estuda aranhas e suas sedas, tenho curiosidade sobre a relação entre a arquitetura da teia de aranha e a resistência das sedas que as aranhas usam. Como o design de uma teia e as propriedades dos fios usados afetam a capacidade da aranha de capturar sua próxima refeição?
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As origens antigas das teias
A seda de aranha tem uma longa história evolutiva. Os pesquisadores acreditam que ela evoluiu pela primeira vez há cerca de 400 milhões de anos. Essas aranhas ancestrais usavam a seda para forrar suas tocas, proteger seus ovos vulneráveis e criar caminhos sensoriais e linhas de guia enquanto navegavam pelo ambiente.
Para entender como eram as teias de aranha antigas, os cientistas observam a aranha-abajur. Essa aranha vive em afloramentos rochosos nas Montanhas Apalaches e Rochosas, nos EUA. Ela é parente viva de algumas das aranhas mais antigas que já teceram teias e não mudou muito desde que a construção de teias evoluiu pela primeira vez.
Com um nome apropriado devido ao formato de sua teia, a aranha-abajur constrói uma teia com uma base estreita que se alarga para fora. Essas teias preenchem as fendas entre as rochas, onde a aranha pode se camuflar contra a superfície áspera. É difícil para uma presa em potencial atravessar essa paisagem acidentada sem ser capturada.
Diversidade das teias
Atualmente todas as espécies de aranhas produzem seda. Cada espécie cria sua própria arquitetura de teia específica, que é exclusivamente adequada ao tipo de presa que come e ao ambiente em que vive.
Veja a teia orbital, por exemplo. São teias aéreas bidimensionais com uma espiral característica. Elas capturam principalmente presas voadoras ou saltadoras, como moscas e gafanhotos. As teias orbitais são encontradas em áreas abertas, como na linha das árvores, em gramados altos ou entre os tomateiros de sua horta.
Uma aranha viúva-negra constrói teias tridimensionais
Compare isso com a teia emaranhada, uma estrutura que é mais frequentemente vista nos rodapés da sua casa. Embora o termo “teia emaranhada” (cobweb, no original em inglês) seja comumente usado para se referir a qualquer teia de aranha empoeirada e abandonada, na verdade é uma forma específica de teia normalmente projetada por aranhas da família Theridiidae. Essa teia de aranha tem uma arquitetura tridimensional complexa.
Linhas de seda se estendem para baixo a partir do emaranhado 3D e são mantidas fixadas ao solo sob alta tensão. Essas linhas funcionam como uma armadilha pegajosa com mola para capturar presas rastejantes, como formigas e besouros. Quando um inseto entra em contato com a cola na base da linha, a seda se destaca do chão, às vezes com força suficiente para levantar a presa no ar.
Estranhos da teia
Imagine que você é um besouro desavisado, navegando entre talos de grama quando se depara com um piso de seda bem tecido. Ao começar a atravessar o tapete, você vê oito olhos espreitando de um funil de seda – pouco antes de ser rapidamente capturado como refeição.
Aranhas como as tecelãs de teias em funil constroem tapetes de seda grossos no chão que usam como uma extensão de seus sistemas sensoriais. A aranha espera pacientemente em seu refúgio em forma de funil. As presas que entram em contato com a teia geram vibrações que alertam a aranha de que um petisco saboroso está caminhando pelo tapete de “boas-vindas” e que é hora de atacar.
Uma aranha-funil, Agelena labyrinthica, em sua teia no chão
As aranhas saltadoras são outro tipo incomum de tecelãs de teias. Elas são bem conhecidas por suas colorações variadas, danças de acasalamento elaboradas e por serem alguns dos aracnídeos mais carismáticos.
Sua fofura as tornou populares, graças a Lucas, a Aranha, uma adorável aranha saltadora de desenho animado criada por Joshua Slice. Com dois enormes olhos frontais que lhes conferem percepção de profundidade, essas aranhas são caçadoras fantásticas, capazes de pular em qualquer direção para navegar em seu ambiente e caçar.
Mas o que acontece quando elas calculam mal um salto ou, pior ainda, precisam escapar de um predador? As aranhas saltadoras usam sua seda como uma corda de segurança para se prenderem a superfícies antes de saltar pelo ar. Se o salto der errado, elas podem subir de volta pela corda, permitindo que tentem novamente.
Essa corda de segurança de seda não apenas lhes dá a chance de refazer o salto, mas também ajuda a realizá-lo. A corda as ajuda a controlar a direção e a velocidade do salto no ar. Ao alterar a velocidade com que soltam a seda, elas podem pousar exatamente onde desejam.
Aranha tecelã descansa no centro de sua teia
Para tecer uma teia
Todas as teias, desde a teia orbital até a teia emaranhada aparentemente caótica, são construídas por meio de uma série de etapas básicas e distintas.
As aranhas tecelãs geralmente começam com uma proto-teia. Os cientistas acreditam que essa construção inicial é uma fase exploratória, na qual a aranha avalia o espaço disponível e encontra pontos de fixação para sua seda. Quando a aranha está pronta para construir sua teia principal, ela usa a proto-teia como um andaime para criar a estrutura, os raios e a espiral que ajudarão a absorver energia e capturar presas.
Essas estruturas são vitais para garantir que sua próxima refeição não rasgue a teia, especialmente insetos como libélulas, que têm uma velocidade média de 16 km/h. Quando concluída, a aranha tecelã retornará ao centro da teia para esperar por sua próxima refeição.
A diversidade em uma teia de aranha não pode ser alcançada com um único material. Na verdade, as aranhas podem criar até sete tipos de seda, e as aranhas tecelãs produzem todos eles. Cada tipo de seda tem propriedades materiais e mecânicas diferentes, servindo a um uso específico na vida da aranha. Toda a seda de aranha é criada nas glândulas de seda, e cada tipo diferente de seda é criado por sua própria glândula especializada.
Uma aranha-de-jardim-europeia constrói uma teia orbital bidimensional
As aranhas tecelãs dependem da rigidez das fibras mais fortes de seu arsenal para construir teias e como linha de segurança. Por outro lado, a espiral de captura da teia esférica é feita com seda extremamente elástica. Quando uma presa é capturada na espiral, o impacto puxa as linhas de seda. Essas fibras se esticam para dissipar a energia e garantir que a presa não rasgue a teia.
A cola da aranha é um tipo de seda modificada com propriedades adesivas e a única parte da teia de aranha que é realmente pegajosa. Essa seda pegajosa, localizada na espiral de captura, ajuda a garantir que a presa fique na teia por tempo suficiente para que a aranha dê uma picada venenosa.
Para concluir
As aranhas e suas teias são incrivelmente variadas. Cada espécie de aranha se adaptou para viver em seu nicho ambiental e capturar certos tipos de presas. Da próxima vez que você vir uma teia de aranha, pare um momento para observá-la, em vez de afastá-la ou esmagar a aranha que está dentro dela.
Observe as diferenças na estrutura da teia e veja se consegue identificar as gotículas de cola. Observe a maneira como a aranha está sentada em sua teia. Ela está comendo ou há restos descartados dos insetos que ela impediu de entrar em sua casa?
Observar esses arquitetos aracnídeos pode revelar muito sobre design, arquitetura e inovação.
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