A retórica de “soberania” e “multilateralismo” que permeia o discurso diplomático brasileiro contrasta radicalmente com um padrão documentado de incoerência estratégica. Dados concretos revelam uma desconexão perigosa entre aspirações e ações, minando sistematicamente a posição do país no tabuleiro global. O colapso das negociações Mercosul-União Europeia e as recentes críticas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, são sintomas de uma patologia mais profunda: a incapacidade crônica de construir confiança comercial.
Trump sobre tarifas no Brasil. pic.twitter.com/XeLGmb771m
— Nekko ₿TC ✝️👑 (@LNekko) September 5, 2025
A política tarifária ilustra esse descompasso com clareza matemática. Enquanto o Brasil impõe 20% de tarifa sobre o etanol norte-americano, os EUA reciprocam com meros 2,5% sobre o mesmo produto brasileiro — assimetria que sacrifica R$ 3 bilhões anuais em fluxos comerciais potenciais. Essa proteção seletiva não se limita aos norte-americanos: contra a média global de tarifas industriais de 3,8% (Banco Mundial, 2024), o Brasil mantém barreiras de 11,3% para bens manufaturados europeus.
Essa esquizofrenia regulatória gera consequências tangíveis. Quando autoridades brasileiras rebatem críticas alegando que “produtos americanos-chave já têm acesso facilitado”, ignoram um princípio elementar de comércio internacional: parcerias duradouras exigem reciprocidade previsível. O resultado é a erosão acelerada da credibilidade, evidenciada pelo desinteresse estratégico de atores centrais. A indiferença de Trump diante da aproximação Brasil-China — “podem fazer o que quiserem” — reflete essa percepção de irrelevância negociadora.
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A crise com a União Europeia (UE) segue a mesma lógica desalinhada. Enquanto o Brasil rejeitava cláusulas ambientais do acordo Mercosul-UE invocando soberania, aumentava em 1.200% as importações de diesel russo — commodity financiadora de um regime sob sanções internacionais. Essa dupla moral não passou despercebida: 72% dos legisladores europeus citaram “incoerência geopolítica” como obstáculo à ratificação, segundo relatório do European Council on Foreign Relations.
Mais sobre o isolamento brasileiro
Longe de serem episódios isolados, tais contradições expõem uma falha metodológica estrutural. Governos sucessivos — independentemente de orientação ideológica — confundem protecionismo com soberania e gestos unilaterais com autonomia. A consequência é um isolamento progressivo, manifestado em três dimensões críticas:
perda de influência regional, como evidenciado por acordos bilaterais secretos com a China que minam o Mercosul, cujo comércio intrazona estagnou em 15% do total (contra 60% na UE);
custos econômicos mensuráveis, com o Brasil representando apenas 1,2% do comércio global (Organização Mundial do Comércio, 2025), abaixo do potencial de sua economia; e
desconfiança sistêmica, expressa na 68ª posição do país no Índice de Credibilidade Comercial (Heritage Foundation, 2024).
A reconquista da relevância internacional exige mais que retórica. Requer harmonização tarifária transparente, reduzindo a média de proteção industrial para menos de 7%; alinhamento geopolítico verificável, abandonando parcerias que contradigam posições multilaterais; e reformulação do Mercosul como plataforma negociadora integrada, não escudo para unilateralismos.
Na economia global pós-pandêmica — onde cadeias de valor se reorganizam sob critérios de confiabilidade —, o Brasil não pode pagar o preço da incoerência. Como alerta Ángel Gurría, ex-secretário-Geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico: “Na nova geografia comercial, credibilidade é a moeda mais forte”. Resta saber se o Brasil aprenderá a emiti-la.
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Por Márcio Coimbra. CEO da Casa Política e presidente-executivo do Instituto Monitor da Democracia. Conselheiro da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais. Cientista político, mestre em ação política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007), da Espanha. Ex-diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal.
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